Artigo

E depois do show do impeachment?

por Hélio Gurovitz, em O Globo

O julgamento final da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado promete um show nos próximos dias. De hoje até o começo da semana que vem, haverá uma série de depoimentos da acusação e defesa, com direito a arguição da plateia, um pronunciamento da própria Dilma, depois uma interminável sucessão de discursos de senadores, para não falar no sempiterno blá-blá-blá dos advogados. A coisa toda não termina antes da próxima terça-feira, muito provavelmente na madrugada de quarta. Mas que ninguém tenha dúvida do resultado: Dilma perderá o mandato.

As chances de ela conseguir mudar essa realidade são idênticas às que ela sempre teve quando, várias vezes, quis mudar a realidade. Só existem no plano da teoria. Atualizei a projeção que publiquei ontem do número esperado de votos contrários a Dilma no Senado. Além das informações das votações já realizadas no Senado e dos levantamos dos jornaisFolha de S. Paulo, O Estado de S.Paulo e do site Vem Pra Rua, incluí também as informações publicadas ontem pelo jornal O Globo.

Dependendo do rigor aplicado na análise das informações (um fator sempre arbitrário em qualquer estatística), o valor esperado de votos contrários a Dilma vai agora de 55,4 a 59, patamar mais que suficiente do que os 54 necessários para condená-la. Trata-se, como afirmei em comentário, de uma projeção conservadora. Ela leva em conta apenas o que já foi feito ou declarado pelos senadores, mas não as articulações de última hora, nem a lógica política que faz os indecisos apoiarem o lado vencedor no dia da votação, como ocorreu na Câmara. De todo modo, os votos indefinidos, a esta altura, não chegam a quatro.

Mais importante que a decisão sobre Dilma, portanto, é o o que acontecerá no governo Temer. Eis os quatro pontos críticos no futuro próximo:

Ajuste fiscal – O projeto mais importante deste ano será o limite para gastos públicos, incluindo a renegociação das dívidas estaduais. Aprová-lo custará capital político a Temer. Basta ver o que aconteceu ontem, no Senado, com a emenda constitucional que permite aplicar em outras áreas até 30% das receitas orçamentárias destinadas a saúde e educação. O governo aprovou, mas levou de contrabando um aumento salarial para funcionários da defensoria pública. Novos reajustes para o funcionalismo, de impacto estimado em R$ 68 bilhões até 2018, impõem um desafio ao ajuste fiscal. O  ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já nem esconde mais que haverá alta de impostos para compensar os gastos maiores. Quem esperava de Temer um governo de austeridade, oposto ao descontrole orçamentário de Dilma, terá de se contentar com as declarações dele. Na prática, o buraco fiscal aumentou para R$ 170 bilhões neste ano e deverá, no ano que vem, ficar em R$ 139 bilhões.

Economia – Uma reação na arrecadação poderia ajudar a tapar o buraco. Já há sinais de recuperação industrial, embora não de queda no desemprego. Mas, mesmo no cenário mais otimista, a recessão ainda se arrastará até a metade do ano que vem. Se não houver sinais claros de resolução para a crise fiscal, o mergulho da economia será mais profundo, com volta da inflação e um cenário tétrico, semelhante ou pior ao vivido nos anos 1980. A lua-de-mel do mercado com Temer está muito perto do fim.

Congresso – Outra divergência promete complicar a vida do novo presidente. A aparente união em torno do impeachment apenas disfarça a fissura na base de apoio do governo, sobre as prioridades na agenda legislativa. PMDB, de um lado; DEM e PSDB, do outro, têm visões antagônicas sobre o que fazer. O PMDB entende que é mais importante ceder às pressões do funcionalismo e de outros setores para a apaziguar o clima político conflagrado pelo impeachment e construir um novo consenso no país. PSDB e DEM querem medidas fiscais mais urgentes e mais draconianas. Temer faz acenos aos dois lados. No final, poderá não satisfazer a nenhum – e se verá diante de um governo paralisado.

Operação Lava-Jato – Todos os partidos concordam num ponto: querem melar as investigações da Lava Jato, que ameaça a classe política de Brasília de modo ecumênico e apartidário. Não se enganem com as declarações que fazem da boca para fora diante dos microfones. Nos bastidores, é fortíssima e incessante a pressão contra os investigadores do Ministério Público e contra o juiz Sérgio Moro. O conflito desta semana entre o procurador-geral Rodrigo Janot e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é apenas um sintoma disso. A suspensão da negociação com os advogados do empreiteiro Léo Pinheiro para um acordo de colaboração com a Justiça foi um péssimo sinal. A maior questão é até que ponto o governo Temer resistiria ao avanço das investigações. Vários ministros e o próprio Temer já foram citados em delações – embora neguem todas as acusações.

Pelo visto, nem o fim da Olimpíada e nem o impeachment de Dilma bastaram para evitar que os políticos de Brasília continuassem a praticar seus esportes preferidos: o “mergulho no poço fiscal” e o “esconde-esconde de corrupto”. O show tem de continuar.

Share Button

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

WP Twitter Auto Publish Powered By : XYZScripts.com