Política

A fragilidade da Lava Jato

Está no Blog do Helio Gurovitz

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de enviar à Justiça paulista os trechos da delação da Odebrecht relativos ao sítio de Atibaia e do Instituto Lula, cujos processos correm em Curitiba, terá consequências profundas, não apenas jurídicas.

A mais óbvia é a tentativa de retirar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da órbita do juiz Sérgio Moro. Com a decisão, a defesa de Lula poderá argumentar que os próprios processos, não apenas os trechos das delações, deveriam ser julgados noutro lugar.

Também poderão argumentar em seus recursos aos tribunais superiores que o processo em que Lula já foi condenado, relativo ao apartamento no Guarujá, não deveria ter sido julgado por Moro – e usar como evidência a decisão da Segunda Turma.

Na verdade, a manobra poderá retirar todos esses processos não apenas do âmbito de Moro, mas também do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que se revelou ainda mais duro que Moro e ampliou a condenação de Lula no caso do Guarujá.

Juridicamente, a decisão era previsível. A interpretação das delações tem caráter subjetivo e, no ano passado, o próprio relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, decidira enviar a São Paulo trechos da delação da Odebrecht relativos a negócios do filho de Lula, Luís Cláudio Lula da Silva.

A defesa de Lula aproveitou um ponto de fragilidade conhecido na Lava Jato. Quem acompanha a operação conhece de cor os parágrafos que se repetem nas denúncias dos procuradores paranaeses e sentenças de Moro para reivindicar a competência local para julgar a corrupção em obras distantes, seja em Pernambuco (Refinaria Abreu de Lima), Rio de Janeiro (Angra III), Atibaia ou Guarujá.

A justificativa apresentada por Moro para julgar um caso é, na essência, a conexão com a Petrobras, pois uma das obras investigadas pela Lava Jato, a refinaria Repar, fica no Paraná. Como todo desvio da Petrobras pode, em tese, ter prejudicado a obra paranaense, dizem Moro e os procuradores, é correto julgar todos os casos que dizem respeito à Petrobras no Paraná.

Desde 2015, tentativas de encolher o âmbito da Lava Jato têm sido bem sucedidas. Em setembro daquele ano, o plenário do STF desmembrou um inquérito relativo à senadora Gleisi Hoffman do então relator, ministro Teori Zavascki, e o passou à alçada do ministro Dias Toffoli.

Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes votou contra, sob o argumento de que a Lava Jato deslindara uma enorme teia de crimes relacionados uns aos outros, “o maior escândalo de corrupção do mundo, quiçá do mundo”. Ao votar ontem na Segunda Turma, contudo, Gilmar mais uma vez parece ter mudado de ideia.

Com os votos dele, de Toffoli e do ministro Ricardo Lewandowski, a Segunda Turma considerou que não têm relação com a Petrobras nem o relato de Emílio Odebrecht sobre a discussão com Lula a respeito das obras de Atibaia em 2010 no Palácio do Planalto, nem o depoimento de Marcelo Odebrecht sobre o registro das despesas delas em planilhas a cargo do departamento de propinas da Odebrecht.

Mas isso não significa que os processos contra Lula tenham saído das mãos Moro. Pode haver compartilhamento de provas com a Justiça paulista. Ou, futuramente, o STF poderá acatar outro pedido da defesa para transferir os casos completos a São Paulo.

Não haveria motivo para alarme, não fosse a leniência dos tribunais paulistas, onde casos de corrupção têm andado bem mais devagar. Embora justificada por esse motivo, a revolta contra a decisão de ontem será interpretada de outra forma pelos partidários e pela defesa de Lula.

Foto: Carlos Moura/SCO/STF
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