Artigo

Como uma quilha corta as ondas

por Fernando Mineiro

Não haverá saída rápida para a atual crise, que se revela a mais profunda da história nacional contemporânea. Os últimos acontecimentos só agravam a instabilidade criada desde que ocorreu o golpe que afastou  a honrada presidenta Dilma, revelando a dimensão da trama e o mar de lama que alimentou os golpistas.

Se para os que se colocaram na trincheira antigolpe nada disso causa surpresa, pouco vale se dirigir à sociedade com a arrogante postura do “eu já sabia”. Importa saber o que fazer agora.

Não restam dúvidas de que a saída se inicia com a construção de um vigoroso movimento pelo Fora Temer e pelas Diretas Já. Qualquer outra alternativa – como eleições indiretas, parlamentarismo e outros coelhos que saiam das cartolas dos cartolas do golpe – nascerá com o pecado capital da ilegitimidade, com forte tendência à manutenção da instabilidade.

A história do Brasil é prodigiosa em saídas por cima em momentos de crise. Por isso mesmo, elas, as crises, estão sempre à espreita e saem do armário e se fazem funcionais quando setores historicamente dominantes em nosso pais se sentem ameaçados em seus privilégios de classe.

Tudo indica que os últimos acontecimentos sejam frutos de divergências entre as facções que promoveram o assalto à democracia no ano passado. E o desvendamento disso só virá à tona com o desenrolar dos fatos.

Mas de uma coisa não podemos ter ilusão: o amplo consórcio golpista está solidamente unificado em torno da agenda do golpe e TUDO fará para mantê-la. E a manutenção dessa agenda está representada atualmente nas reformas da Previdência e Trabalhista. Henrique Meireles, ao dizer que continuará no governo mesmo com a saída do Temer, apenas foi o ventríloquo do deus mercado.

Se as Diretas Já são apenas o início da saída da crise, é preciso construir os passos seguintes, que serão longos e extremamente difíceis. Precisamos de uma plataforma política que ouse reconstruir um projeto de nação diferente, inclusive, do projeto (virtuoso) que foi implementado pelos governos Lula e o primeiro governo Lula. Diferente por uma razão muito simples: esgotaram-se as condições históricas que possibilitaram a aliança política, social, cultural e econômica responsável pelas realizações dos governos do PT e aliados.

Trata-se, portanto, de construir uma sólida aliança social e política tendo por base os setores cujos interesses e visão de país sejam opostos aos interesses dos que promoveram o golpe.

O grande obstáculo a ser removido é a perversa criminalização da política, principalmente entre as pessoas mais jovens. O aparato midiático tem sido vitorioso em sua tática de gambá: espalhar o mau cheiro para que todos possam ser vistos como fedorentos. A política criminalizada é o substrato para as saídas antidemocráticas, excludentes e alheias aos interesses da maioria da população.

Mas desafios tamanhos não devem desanimar a nossa e as novas gerações que professam a fé na democracia e na justiça social.

Afinal, aprendemos com Maiakovski que:

“O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas”.

*Fernando Mineiro  é deputado estadual pelo PT-RN

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