por Eleonora de Lucena, na Folha
Com cabos de vassoura, paralelepípedos e barras de ferro, o grupo avançou pela rua e parou em frente a uma loja de carros importados.
Entraram quebrando tudo: vitrines, para-choques, estofados. Uma centena de metros antes, tinham atacado uma cervejaria estrangeira.
A raiva explodira e deixava um rastro de destruição. Inconformados, incrédulos, desesperados percorriam a cidade. Uns berravam; outros choravam. Era o que meu avô contava daquele agosto.
Pelo rádio, a “Carta Testamento” trouxe a denúncia sobre o complô promovido por grupos internacionais e seus aliados internos.
Expôs ataques à Petrobras, à Eletrobras e às leis trabalhistas. Isso em 1954.
A morte de Getúlio Vargas adiou o golpe por dez anos, costumam apontar os historiadores. Pois cá estamos, em 2018, no meio de um golpe que ainda tenta derrotar a Petrobras, a Eletrobras, as leis trabalhistas.
Além delas, outras conquistas de muitas décadas estão na mira: a Embraer, o SUS, o BNDES, os programas sociais, a educação universal. Marielle e Anderson são assassinados.
Violência e preconceito crescem. A mortalidade infantil aumenta. O desemprego, o desassossego e a desesperança campeiam.
O retrocesso civilizatório é amplo, geral e irrestrito. Cotidianamente, a democracia e a soberania são enxovalhadas.
De costas para tudo isso, uma parte do empresariado não tem constrangimento em flertar e apoiar um candidato que defende o assassinato de pobres.
Ignorando princípios básicos da civilização pós-iluminista, promovem encontros de olho apenas nos seus rendimentos de curto prazo.
Herdeiros de grandes nomes da burguesia se alinham a arrivistas para cortejar quem quer que diga defender os seus ganhos.
A direita —que gosta de ser chamada de centro e que alimenta o fascismo— reza para que o tempo de TV seja a salvação da lavoura, da sua lavoura, claro. Há uma complicação inexorável para a direita: o voto universal.
Coisa que os alardeados mercados não cansam de dizer que causa “tumulto”, “incerteza”, “imprevisibilidade”.
Para eles, seria melhor que não houvesse eleição. Assim, seguiria, sem maiores percalços, o ataque aos fundos públicos, ao Estado. E a entrega de patrimônio construído por décadas. E o alinhamento subserviente ao Norte.
Ocorre que o líder nas pesquisas está preso. Um processo questionado por renomados juristas é instrumento para deixá-lo de fora da disputa —que poderia vencer até em primeiro turno.
A direita finge que Lula não existe, que é carta fora do baralho, que deve abandonar o jogo e indicar um substituto.
Já quando ele foi preso, obituários encheram páginas e páginas, decretando o fim de um mito.
Mas, até agora, a maior parcela dos eleitores está com ele. Votar em um preso, nessa conjuntura, significa um protesto, uma revolta silenciosa, uma forma de derrubar, pela via eleitoral e legal, a malta que saqueia o país e seus cidadãos.
Nada a ver com letargia. É uma ideia de futuro que move os eleitores.
O que ninguém sabe é o que vai acontecer se Lula não estiver na urna em 7 de outubro. Ou se os votos dados a ele forem cassados pela Justiça. As eleições serão consideradas legítimas?
É certo que um dos objetivos da direita sempre foi afastar o povo da urna.
A ideia do voto não obrigatório é uma face desse antigo projeto.
É possível que a exclusão de Lula da eleição coloque a própria democracia em risco ainda maior.
Os golpistas, que jogam o país no precipício, têm poucas semanas para sacramentar sua estratégia.
Já os defensores da democracia precisam se unificar em torno da sua: Lula livre! E candidato.
*Jornalista, ex-editora-executiva da Folha (2000-2010) e copresidente do serviço jornalístico TUTAMÉIA (tutameia.jor.br)
Foto reproduzida da Internet