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A finalização de Lula

por Reinaldo Lobo

A expressão “finalizar” tem um sentido especial nas lutas de MMA e UFC, aquela pancadaria meio sangrenta que mistura jiu-jitsu e várias outras artes marciais. Finalizar significa uma espécie de nocaute, mais ou menos técnico, quando um dos lutadores não tem mais saída, a não ser pedir para interromper o combate.

É algo semelhante ao que está acontecendo com Lula no seu enfrentamento com a Lava Jato e o stablishment conservador. Como na luta dentro do ringue, Lula foi encurralado política e juridicamente contra as grades, quase de modo literal.

O dia 24 de janeiro de 2018 ficará marcado na memória de todos como aquele no qual o político de maior popularidade individual do País, o presidente que saiu do seu mandato com 87% de aprovação nas pesquisas, conhecido mundialmente por sua campanha contra a fome e a miséria, o herói dos sindicalistas e da classe trabalhadora, foi desmoralizado por uma derrota importante diante dos seus adversários. Sua imagem está sendo desconstruída há bastante tempo pela mídia e, diante da chamada opinião pública, tornou-se símbolo da deterioração dos costumes políticos nacionais.

Lula perdeu o cinturão, mas é óbvio que não desistirá de seus propósitos, sendo o principal a volta à presidência da República. Acusado à direita e à esquerda, chamado agora de “radical” pela propaganda eleitoral dos neoliberais, o mais hábil conciliador e negociador dos políticos disponíveis entre nós, está na defensiva, com risco de ir parar na cadeia. O cronograma da Lava Jato pegou-o no meio do caminho de uma jornada política única em direção a um retorno triunfante ao poder.

Seus adversários prepararam o terreno jurídico-político para impedir um fenômeno como o de Getúlio Vargas, o único líder trabalhista comparável a ele, que voltou depois de ser derrubado manu militari.  Os juízes do sul do País conseguiram sem sangue, pelo menos temporariamente, e dentro da legalidade vigente, o que Carlos Lacerda tentou fazer com Getúlio em 1954: tirá-lo da vida pública.

Como todos sabem, o intento de Lacerda, apesar do suicídio físico do ex-presidente, não foi bem-sucedido, acabando por criar um getulismo lendário e inesquecível. No dia da morte de Getúlio, Lacerda teve de se esconder numa caixa d’água no alto de um prédio no Rio de Janeiro, com medo da ira popular, sendo resgatado de helicóptero por seus amigos militares da Aeronáutica — os mesmos que tentariam dar um golpe em Juscelino Kubitschek, em 1955, sendo coibidos pela ação do marechal Henrique Lott.

Os conservadores em geral, assim como alguns esquerdistas, tentam minimizar qualquer semelhança entre Getúlio e Lula, chamando este último de bandido e de conciliador de classes.

Só a perspectiva histórica, assim como a avaliação correta do contexto da atual política brasileira, poderá dar uma dimensão exata dessa comparação. Até o fato de ambos estarem ligados à existência da Petrobrás, que poderia ser uma semelhança, os conservadores e radicais dizem que, se Getúlio queria instituir a empresa, o Lula do pré-sal, consecução do sonho getulista, teria provocado sua “quase destruição”.

Fato é que, neste momento, a Petrobrás está sendo fatiada e vendida aos poucos, exatamente por executores e gestores que representam as velhas forças conservadoras nacionais, muito semelhantes àquelas do tempo de Getúlio.

Além de travar a carreira política de Lula, o 24 de janeiro significou também a vingança emocional da classe média mais conservadora, a que saiu às ruas em manifestações de massa de direita desde 2013. A data do julgamento foi escolhida estrategicamente, no alto verão, período de férias escolares, com temor de repercussões entre estudantes ou da parte das classes operária e média simpáticas ao “Fora Temer” e à ideia de que houve um golpe institucional no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Agora, só falta o toque final para o gozo e o triunfo dessa classe enfurecida e temerosa da proletarização: Lula ser posto atrás das grades.

Essa parte conservadora da classe média inclui uma faixa de “lumpen” das cidades e de suas periferias, que aposta em outro salvador da Pátria, o militar Jair Bolsonaro, cuja pregação fascista encanta por seu moralismo barato. Bolsonaro participou e participa, pelo que se sabe, dos mesmos esquemas de “financiamento de campanha” do sistema eleitoral existente, e teria recebido dinheiro –segundo um outro candidato, Ciro Gomes– até do hoje célebre Joesley Batista, da polêmica JBS. Mas isso não importa tanto para essa parte simplista da população, que vê a política de modo extremado,  moralista, que age na base do “são todos iguais”, e que escolhe o mais “anti-político” do cardápio.

Para a esquerda que o chama de conciliador com banqueiros e empresários, Lula responde com uma metáfora das castanhas de caju: se numa reunião onde se fala de castanhas sobre a mesa, seria conciliador entregar todas as castanhas para o interlocutor, mas dividir as castanhas, e levar muitas delas, não seria conciliação, porém aliança funcional. Na visão dele, foi o que fez com banqueiros e empresários que se beneficiaram sob seu governo, mas que também permitiram que os pobres entrassem para o mercado e tivessem acesso à comida e à escola.

Certo ou errado, Lula se adaptou às regras do jogo político existente e, no entanto, fez com que setores até então miseráveis da população tivessem um período de integração social e econômica que os governos anteriores não proporcionaram, pelo menos não em tal escala. O preço que está pagando não se refere à crise econômica surgida nos governos de Dilma, nem à corrupção que hoje sabemos generalizada em um Sistema Corrupto.

Lula está sendo “finalizado” porque representou um vislumbre de inclusão social e uma política contrária à tendência mundial imposta pelo capital financeiro, que consiste em precarizar o trabalho humano e a própria atividade dos políticos, hoje transformados em meros lobistas dos banqueiros e das multinacionais. Se Lula e o lulismo vão sobreviver ao golpe, ainda é difícil saber.

*Reinaldo Lobo é psicanalista e articulista. Tem um blog: imaginarioradical.blogspot.com e uma página pública no Facebook: www.facebook.com/reinaldolobopsi.

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