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Jaqueline Muniz: Intervenção no Rio é “barata voa”. E, por que o Rio? Porque tem Jornal Nacional

por Luiz Carlos Azenha, no Viomundo

A professora Jaqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública na Universidade Federal Fluminense, foi a fundo na entrevista imperdível que concedeu à Globonews.

Por óbvio, não mencionou o Jornal Nacional, que é por nossa conta.

“Barata boa”, resumiu, sobre a intervenção militar improvisada do governo Temer.

Importante, a partir do depoimento dela, relatar alguns episódios que testemunhei como repórter e que, espero, possam ajudá-los a formar opinião.

Início dos anos 2000. Sou repórter da TV Globo no Rio de Janeiro.

Fui apresentado a um projeto piloto do que, mais tarde, viriam a ser as UPPs, já no governo Cabral.

A presença permanente de policiais no alto de um morro.

Negar território ao tráfico, diziam. Fazê-lo com investimentos sociais.

Pouco depois, testemunho um tiroteio na favela do Jacarezinho, no Rio. Um tiroteio, digamos, cenográfico, já que ninguém atirava de volta.

As cenas são exibidas no Jornal Hoje. A Globo substitui o uso de ‘suspeitos’ por ‘bandidos’, nos textos jornalísticos.

Aqueles investimentos sociais prometidos, de fato nunca vieram.

A Globo tinha grande intimidade com Josias Quintal, o secretário de segurança pública de Garotinho.

Tanto que, quando Fernandinho Beira Mar é preso na Colômbia, viajamos num jato do governo estadual para encontrá-lo em Bogotá.

Em retrospectiva, política. Pura política.

Já em São Paulo, depois de exercer o cargo de correspondente nos Estados Unidos, vou à Colômbia para tratar de segurança.

Visitamos presídio de segurança máxima. Em Medellin, os teleféricos construídos para transportar a população pobre aos bairros ricos da cidade.

Na base das torres, serviços antes negados à população. Mas, Pablo Escobar permanece popular.

É que ele “prestava serviços” à população mais pobre de maneira que o estado colombiano nunca prestou.

Eleição de Barack Obama, em 2008, nos Estados Unidos.

Na pré-campanha, Samantha Powers ajuda a escrever a plataforma para a América Latina. É simpática aos líderes sul americanos que combatem a pobreza.

Mas, quando Obama se torna oficialmente o candidato do Partido Democrata, a plataforma surpreendentemente muda.

A ênfase é em combater o crime organizado. Deduzo, por minha própria conta, que o objetivo é exportar armas e tecnologia de fabricantes norte-americanos às polícias latino americanas.

Por volta de 2010. Vou à fronteira do Brasil e Paraguai para reportar sobre os Barões da Maconha.

Não é coincidência que os mulas sejam de municípios com baixíssimo IDH.

A suspeita é de que policiais sejam avisados antecipadamente sobre os carregamentos que vão atravessar a fronteira e utilizar as rodovias brasileiras.

Eventualmente, uma apreensão aparece com grande destaque na TV.

O juiz local reclama que os presos são sempre os peixes pequenos, não há combate eficaz à lavagem de dinheiro das quadrilhas, que envolvem gente “de bem” graúda.

2013. Vou ao Maranhão como repórter para falar sobre a ‘exportação’ do crime organizado ao Nordeste brasileiro. O PCC chegou.

Visitamos Pedrinhas antes da grande rebelião. Os relatos consistentes são de que o crime organizado migrou do Sul em direção ao Nordeste.

O “barata voa” de que fala Jaqueline Muniz na entrevista.

Num presídio do centro de São Luís, os presos pagam a agentes penitenciários para sair à noite, às escondidas.

Fazemos o flagrante. É o exemplo da ‘contaminação’ do aparato de segurança pelo crime.

2014. O repórter Dario de Medeiros faz, com a ajuda dos leitores do Viomundo, uma contundente análise sobre o fracasso das UPPs cariocas. E do avanço das milícias, que ajudam a eleger governantes.

Cai em mim a ficha de que o Brasil vive a mexicanização da segurança pública: a parceria entre o crime organizado e a polícia está institucionalizada, na ausência de investimentos sociais e de boas condições salariais para os servidores.

As UPPs, escreve Dario, servem a um ‘projeto de cidade’ que cria corredores para a especulação imobiliária.

Um projeto autoritário de cidade da Globo, denuncia o deputado Marcelo Freixo.

2017. Faço a rota do Solimões, onde a Família do Norte disputa o controle do tráfico de cocaína e skunk com o PCC.

Os presídios locais já estão todos controlados pelo crime organizado.

Na falta consiste de recursos e de uma política nacional séria de combate ao crime, com mais inteligência e menos pirotecnia, os locais partem para uma acomodação com os chefões.

Amazônidas se ressentem do fato de que a Polícia Federal desembarca gente do Sudeste, sem nenhum conhecimento ou respeito pela cultura local, para combater o crime.

Os presídios estão abarrotados, inclusive com gente que aguarda julgamento e, enquanto isso, faz universidade do crime. A maior parte está presa por associação ao tráfico.

Em Coari, o delegado local me conta sobre o assalto à delegacia de polícia em que trabalha.

Conclusões:

    1. Investimento em programas sociais mitigadores, redistribuição de renda, taxar os de cima para investir nos de baixo;
    2. Descriminalização das drogas;
    3. Investimento em inteligência;
    4. Tirar da cadeia os soldadinhos do crime organizado, cujas famílias ficam reféns dos chefões;
    5. Dignidade salarial para os agentes de segurança.

Não há solução mágica. Requer dinheiro. Longo prazo.

Faltou explicar: por que o Rio de Janeiro e não, digamos, o Ceará?

Porque a intervenção no Rio de Janeiro rende mídia. Repercute. Sai no Jornal Nacional.

E, ao sair no Jornal Nacional, pode ser utilizada para fins políticos.

Como eleger um Bolsonaro light. Quem sabe um Temer, ou um Alckmin apoiado pelo Temer, ou uma eleição adiada em nome da ordem, agora que já alcançamos o progresso.

Como começa a gente sabe, nunca sabe como — e quando — termina.

Pulso firme. Para tudo ficar exatamente como está.

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