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Por quem as panelas não batem?

por Fábio de Oliveira Ribeiro, no Jornal GGN

Em 2015 a tradicional classe média e a classe alta bateram suas panelas contra a suposta corrupção de Dilma Rousseff. Eles não estavam com fome, mas extremamente incomodados porque as panelas dos pobres estavam cheias [1].

Em seu livro A Elite do Atraso (Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2017) Jessé de Souza pergunta por que as panelas não estão sendo batidas contra a corrupção institucionalizada de  Michel Temer, que além de comprar deputados e senadores perdoou dívidas fiscais bilionários de bancos e empresas de comunicação. Isto para não mencionar a renúncia a bilhões de reais que poderiam ser auferidos com a exploração do petróleo no nosso litoral.
A resposta que ele deu no livro para o silêncio das panelas – a corrupção estrutural representada por Michel Temer está no DNA do mercado que capturou o Estado e a corrupção governamental é um problema menor que foi transformado em arma política contra esquerda – é plausível. Todavia, ela não explica o silêncio das panelas dos desempregados e trabalhadores que perderam direitos sociais, trabalhistas e políticos em decorrência do golpe de 2016.

Jessé de Souza credita este silêncio das panelas vazias à naturalização da exclusão social construída durante o período escravocrata, transmitida pela educação familiar e consolidada pela violência policial nos dias de hoje. Esta também é uma explicação plausível, mas há outra explicação que pode ser dada.

Os brasileiros são cordiais, mas não da maneira que foi imaginada por Sérgio Buarque de Holanda (tese, aliás, criticada de forma adequada por Jessé de Souza). Eles são cordiais porque gostam de sofrer. E este gosto pelo sofrimento foi incutido nos brasileiros pelo catolicismo.

Todavia, na fase atual as lideranças católicas condenam o golpe e a martirização dos brasileiros. Quem sustenta o golpe são justamente as lideranças evangélicas que pregam uma doutrina da graça, do sucesso econômico e da ostentação material que supostamente libertaria os fiéis da pobreza em que eles estão sendo programaticamente lançados  em razão da revogação de direitos, renúncia fiscal e entrega da riqueza petrolífera aos estrangeiros.

Católicos e evangélicos obviamente não renunciaram às suas religiões. O que eles fizeram foi utilizá-las como armamento pesado dentro do campo político. Ao fazer isto, ambos os grupos se sujeitaram às vicissitudes daquele campo, dentre os quais se destaca a existência relacionalreferida por Pierre Bourdieu:

“…a oposição entre ‘direita’ e ‘esquerda’ se pode manter numa estrutura transformada mediante uma permita parcial dos papéis entre os que ocupam estas posições em dois momentos diferentes (ou em dois lugares diferentes): o racionalismo, a fé no progresso e na ciência que, entre as duas guerras, em França como na Alemanha, constituíram o ideário de esquerda enquanto que a direita nacionalista e conservadora se dava mais ao irracionalismo e ao culto da natureza, tornaram-se hoje, nestes dois países, no coração do novo credo conservador, fundamentado na confiança no progresso, na técnica e na tecnocracia, enquanto que a esquerda se vê recambiada para temas ideológicos ou práticas que pertenciam exclusivamente ao pólo oposto, como o culto (ecológico) da natureza, o regionalismo e um certo nacionalismo, a denúncia do mito do progresso absoluto, a defesa da ‘pessoa’, tudo isto banhado de irracionalismo.” (O poder simbólico, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2007)

Os católicos tem condições de mobilizar muito mais gente do que os líderes evangélicos que apoiaram o golpe. Se forem para as ruas eles facilmente irão derrotar o novo regime e revogar todas as maldades neoliberais aprovadas por Michel Temer. Eles conseguiriam até mesmo o impensável: meter a ferros os principais líderes do golpismo e do entreguismo dentro e fora do Judiciário.

A politização dos católicos desembocou no golpe de 1964.  A politização dos evangélicos resultou no golpe de 2016. Neste momento a radicalização destes dois grupos religiosos tem tudo para produzir uma guerra civil diferente de todas aquelas que ocorreram em nosso país no século XX.  Caso isto realmente ocorra ricos e pobres finalmente terão a oportunidade histórica de se juntar para bater panelas vazias.

Foto reproduzida do Jornal GGN

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