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Chico Antonio, o cantador de coco que encantou Mario de Andrade

por Stella Galvão

O escritor paulista Mário de Andrade botou o pé na estrada para inteirar-se das coisas do Brasil após a Semana de Arte Moderna de 1922. Coerente com a proposta da Semana de pensar a arte como reflexo de elementos da cultura nacional, do qual foi um dos organizadores, queria banhar-se na cultura regional do Norte e Nordeste. Quando chegou ao RN, na segunda quinzena de dezembro de 1928, recebido entre outros por Câmara Cascudo, a temporada na capital não o impressionou vivamente. Até que surgiu a oportunidade, em janeiro de 1929, de passar uns dias no Engenho Bom Jardim, nos arredores do município de Goianinha.

Lá, ele teve as impressões mais fortes de sua passagem pelo Estado quando conheceu o embolador e cantador de coco potiguar Chico Antônio. As impressões estão fartamente descritas nas crônicas. “Uma das sensações musicais mais fortes de minha vida foi ouvir o “coqueiro” norte-rio-grandense Chico Antônio”, escreveu Mário de Andrade na abertura de uma crônica publicada por A República (27/01/1929), entre várias outras que produziu naquele momento e depois anexou a seus livros com relatos de viagem, incluindo O turista aprendiz. O material colhido durante a permanência de 10 dias no engenho foi utilizado em dois livros, “Os Cocos” e “Melodias do boi e outras peças”. As músicas de Chico Antônio foram transferidas ao papel e depois, no piano da casa grande, cifradas pelo escritor que também era professor de piano.

Chico Antônio, natural da cidade de Pedro Velho, era funcionário do engenho e, nas horas vagas, mostrava seus dotes artísticos como embolador, coqueiro e cantador. “Chico Antônio não é só a voz maravilhosa e a arte esplêndida de cantar: é um coqueiro muito original na gesticulação e no processo de tirar um coco”, escreveu Andrade. Um documentário de 40 minutos, intitulado Chico Antonio o herói com caráter, foi filmado em 1983 pelo cineasta Eduardo Escorel. Recupera e registra em audiovisual a trajetória deste personagem que encantou o celebrado escritor paulista. “A encantação do coqueiro é um fato e seu prestígio na zona, imenso. Se cantar a noite inteira, noite inteira os trabalhadores ficam assim, circo de gente suada sentada, acocorada em torno de Chico Antônio Irapuru, sem poder partir”, descreveu o modernista.

Pois agora, com o centenário da Semana de Arte Moderna, a história deste
encontro marcante está novamente em evidência. Uma professora paulista que coordena o departamento de artes da UFRN, a artista visual Regina Johas, participa de uma exposição numa galeria de arte de São Paulo com a obra “Bom Jardim”. A artista disse que seu trabalho faz a conexão entre Mário de Andrade e o mestre do coco Chico Antonio por ocasião da passagem daquele pelo Rio Grande do Norte na década de 1920. 

A obra compõe-se da imagem da casa de fazenda que hospedou o escritor
quando ele saiu de São Paulo de Piratininga decidido a conhecer o país. Plasmada sobre a fachada, letras e mais letras, retrato de uma literatura pulsante que encontrou uma bela expressão da cultura potiguar nos idos de 1929. A casa está caindo pelas tabelas. Em “Bom Jardim”, a artista pretendeu questionar a relação entre corpos, espaço urbano e memória. Na verdade, entre a literatura modernista e a música genuína de um cantador
popular.

Imagem: artista visual Regina Johas

*Stella Galvão é jornalista, cronista e colaboradora do blogdobarbosa

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