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Fim do jabá que amarra agências publicitárias à Globo será duro golpe nos Marinho

por Camilo Rocha, no Nexo, via Viomundo

O presidente Jair Bolsonaro prometeu combater uma estabelecida prática do mercado publicitário e importante fonte de renda para muitas agências.

Para ele, a “bonificação por veiculação”, ou “bonificação por volume”, conhecida no meio pela abreviação BV, “tem que deixar de existir”.

A bonificação é uma espécie de comissão paga pelo veículo de mídia à agência de publicidade que lhe trouxe o anunciante.

Em geral, soma-se à remuneração normalmente recebida pela agência.

O cálculo é feito em cima do valor do negócio, do “volume”, como explicita o próprio termo.

A porcentagem pode variar entre 5% e 12% do dinheiro investido.

“Aprendi há pouco o que é isso, e fiquei surpreso e até mesmo assustado”, afirmou o presidente em pronunciamento feito no dia 7 de janeiro de 2019, durante a posse dos novos presidentes do BNDES, Caixa e Banco do Brasil.

“Vamos eliminar essas questões para que a imprensa possa cada vez mais fazer um bom trabalho no Brasil.”

Em seu discurso, Bolsonaro falou em “democratizar” a destinação de verbas publicitárias, que hoje “privilegia” algumas empresas de comunicação em detrimento de outras.

Foi uma referência ao fato de que a TV Globo costuma receber do governo um quinhão da publicidade oficial significativamente maior que outras emissoras, como Record e SBT.

Em 2016, a emissora aferiu R$ 323.796.176 de anúncios do governo. A Record levou cerca de R$ 170 milhões e o SBT R$ 100 milhões.

Entre 2000 e 2016, o governo federal investiu quase R$ 9,5 bilhões em publicidade na Globo, contra R$ 3 bilhões na Record e R$ 2,6 bilhões no SBT no mesmo período.

Segundo a lei, a escolha de veículos para propaganda oficial deve sempre se basear em critérios técnicos comprovados e nunca de acordo com a atratividade do plano de incentivo oferecido.

Nos últimos anos, a Globo vem perdendo fatia de mercado, mas em média mantém o dobro da audiência do segundo colocado, geralmente a Record, mas às vezes o SBT.

A lógica da propaganda dita que ela seja inserida onde tem maior probabilidade de ser vista ou ouvida.

Entretanto, críticos acreditam que a Globo detém um privilégio desproporcional no bolo da publicidade oficial.

Para o governo Bolsonaro, a emissora se utiliza do mecanismo da bonificação a agências (o BV) para consolidar sua posição de dominação.

Em condições de conceder bônus mais atraentes, acabaria atraindo mais anúncios, desequilibrando o mercado.

Também ficaria em uma posição de vantagem em relação à concorrência para negociar valores de contratos.

O governo federal está por trás de um projeto de lei que quer proibir a prática.

Preparado com a colaboração de profissionais de publicidade e executivos de emissoras concorrentes da TV Globo, ele será apresentado no Congresso pelo deputado eleito Alexandre Frota (PSL) quando a casa retomar os trabalhos, em fevereiro.

Os detalhes do projeto ainda não são conhecidos.

Não se sabe, por exemplo, se ele se estenderá a todo o mercado ou ficará restrito ao âmbito da publicidade oficial.

“O projeto foi entregue a mim e a uma equipe de profissionais com autorização do Jair. Vou apresentar ao presidente e me reunirei com SBT, RedeTV!, TV Record e talvez a Band”, disse Frota ao jornal Folha de S. Paulo.

Planos de incentivo

O BV é descrito na regulamentação do meio publicitário como “plano de incentivo”.

Ele consta das “Normas-Padrão da Atividade Publicitária”, publicadas em 1998 pelo Conselho Executivo das Normas-Padrão, órgão privado que executa a regulamentação e arbitra conflitos no setor.

Segundo as normas, a negociação sobre valores de porcentagem ou nominais “são de domínio exclusivamente entre agências e veículos, sem qualquer tipo de monitoramento ou influência por parte do Cenp ou dos anunciantes”.

Entretanto, a Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade), em nota emitida em resposta às declarações de Bolsonaro, esclarece que “no mercado brasileiro nenhum plano de mídia é adquirido sem a expressa aprovação por parte da equipe de marketing do cliente, que examina várias opções e solicita alterações sempre em busca de eficiência técnica”.

A lei 12.232, sancionada pelo presidente Lula em 2010, autorizou a prática dos planos de incentivo no contexto da propaganda governamental, medida criticada por Bolsonaro

. O mercado como um todo passou a seguir a legislação. Segundo a lei, a escolha de veículos para anunciar deve sempre se basear em critérios técnicos comprovados e nunca de acordo com a atratividade do plano de incentivo oferecido em detrimento de “veículos de divulgação que não os concedam”.

Para anunciar na mídia, empresas ou órgãos públicos geralmente recorrem a agências de publicidade.

O governo federal geralmente utiliza os serviços de mais de uma agência, que são escolhidas em licitação.

O BV no mercado publicitário

De acordo com Rodrigo Leão, sócio da agência Casa Darwin, “o BV funciona como os descontos que os arquitetos recebem por indicação de fornecedores. Exemplo: uma agência que cobra por compra de mídia recebe do cliente 5% de R$ 10 milhões investidos”.

“As agências de grandes grupos multinacionais são as que mais se beneficiam do BV, baixando a taxa de trabalho [remuneração tradicional], que normalmente é de 5% a 15%. As grandes agências recebem posteriormente um valor, que representaria um desconto no preço (como se fosse uma comissão de vendas) que o veículo paga de volta pra elas como incentivo por escolherem o veículo. Quem gasta é o veículo”, explicou ao Nexo.

Outra fonte do meio ouvida pelo Nexo explicou que o BV é um componente fundamental do faturamento das agências.

Sem ele, várias empresas poderiam enfrentar dificuldades financeiras.

“Muitas vezes as agências pegavam a conta cobrando taxa zero e se remunerando só do BV”, corroborou Leão.

Segundo um estudo da Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda), de 2015, realizado com 747 agências de 14 estados, a receita obtida com o BV representou 33% da remuneração no meio.

De acordo com o levantamento, apenas no estado de São Paulo, o BV não caracterizava a principal fonte de receita, perdendo para o “fee”, definido pela Cenp como valor pago pelo anunciante à agência “por serviços prestados de forma contínua ou eventual”, ou seja, não como porcentagem.

Outra ameaça ao modelo do BV é o crescimento da publicidade em redes sociais. Aplicativos como Facebook ou Instagram não pagam a bonificação.

O outro BV

Segundo profissionais da publicidade ouvidos pelo Nexo, há uma confusão de conceitos entre os planos de incentivo previstos em lei, e outra prática, também conhecido como BV, em que agências cobram de fornecedores, como uma gráfica ou uma produtora de filmes, uma devolução de dinheiro pago por um trabalho, uma comissão por terem sido indicados para o projeto.

Este tipo de negociação, proibido por lei, era feito geralmente à revelia do anunciante.

Neste tipo de negociação, o valor do serviço do fornecedor traz embutido um extra que depois é devolvido à agência de publicidade.

Este outro BV apareceu no noticiário no contexto da Operação Lava Jato.

Com o nome de “BV de produção”, era repassado por produtoras de audiovisual às agências.

“Essa prática ocorre, mas não é aceita pela Abap e demais entidades representativas. O que parece acontecer nesses casos é que o cliente pressiona a agência para não pagar e isso faz nascer uma relação paralela, que não aprovamos, de cobrar da produtora o que se devia cobrar do cliente”, declarou Orlando Marques, presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap), ao site Meio & Mensagem, em 2015.

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