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O ministro Luiz Fux, terceiro a votar no julgamento da trama golpista [1], abriu divergência em diversos pontos com os votos dos ministros que o antecederam – Alexandre de Moraes e Flávio Dino.
🤔 A discordância levou a questionamentos nas redes sociais. Surgiram dúvidas do tipo: Fux absolveu Bolsonaro pelo crime de organização criminosa? O processo pode ser anulado?
Nesta reportagem, o g1 responde:
Fux indicou que votará para absolver Bolsonaro e outros sete réus pelo crime de organização criminosa.
Não. Fux votou pela “nulidade absoluta” do processo.
De acordo com especialistas ouvidos pelo g1, não – porque são situações distintas.
A diferença nas instâncias de julgamento ocorre pela mudança das regras de aplicação do foro privilegiado ao longo deste período.
Para esclarecer estas e outras questões, o g1 [6] ouviu três juristas:
- Pierpaolo Bottini, advogado criminalista e professor de Direito Penal da USP.
- Wallace Corbo, professor de Direito Constitucional
- Lucas Serafim, especialista em Direito Penal e Econômico pela FGV.
⚖️ Entenda: o ex-presidente Jair Bolsonaro [7] e outros sete réus estão sendo julgados no Supremo Tribunal Federal por cinco crimes: golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano ao patrimônio e deterioração do patrimônio tombado. O julgamento ocorre na Primeira Turma da Suprema Corte, composta por cinco ministros: Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
O julgamento de Bolsonaro foi anulado?
Não. Fux votou pela “nulidade absoluta” do processo [8]. Mas, para que isso acontecesse, ao menos dois outros ministros precisariam acompanhá-lo nesse entendimento. Ainda faltam os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Também se discute se o voto de Fux pode abrir caminho para que a defesa de Bolsonaro tente anular o processo e apresente embargos de divergência (recurso usado quando há decisões diferentes sobre um mesmo assunto) ou infringentes (quando uma decisão não foi unânime).
Juristas ouvidos pelo g1 [6]acreditam que não. Para isso, um segundo ministro também precisaria acompanhar Fux na divergência.
“Os embargos divergentes exigem ao menos dois votos”, explica o advogado criminalista e professor de Direito Penal da USP, Pierpaolo Bottini.
“O entendimento do Supremo é de que apenas a existência de dois votos pela absolvição permitiria interpor esse recurso. Mas essa é uma discussão que tende a ressurgir se mais algum ministro votar por nulidades desse tipo”, disse o professor de Direito Constitucional da FGV e da UERJ, Wallace Corbo.
O advogado Lucas Serafim, especialista em Direito Penal e Econômico pela FGV, reitera: seria preciso mais um voto para que houvesse esse questionamento pela defesa. “Embargos de divergência ou infringentes só são cabíveis se houver outro [ministro] que aceite”.
Para Serafim, há ainda o fato de Fux já ter recebido a denúncia. “Essa questão já foi superada quando o próprio Fux recebeu a denúncia. Lá atrás houve esse recebimento: ‘vamos julgar ou não?’, e ele disse ‘vamos julgar’”.
Mas o voto de Fux pode abrir caminho para anular o julgamento no futuro, como aconteceu com o de Lula?
De acordo com especialistas ouvidos pelo g1 [6], não – porque são situações distintas.
“No caso do Lula, a ação não tramitava no Supremo, o que permitia impetrar Habeas Corpus (HC) para a corte. O STF entende que não cabe HC para o STF contra ato do próprio STF, então a via para rediscutir o crime se fecharia”, explicou Wallace Corbo, professor de Direito Constitucional da FGV e da UERJ.
Para o jurista, isso não impede, no entanto, que as defesas usem outros instrumentos para tentar reabrir discussões. “O voto pode eventualmente ser usado como referência a convencer futuros juízes”.
Pierpaolo Bottini também não acredita que o voto de Fux possa abrir caminho para uma anulação futura. “Se a condenação transitar em julgado, a única forma de reabrir a discussão é através de uma revisão criminal. E a admissão desse recurso é muito difícil”.
Lucas Serafim lembra ainda que, no caso de Lula, surgiram fatos posteriores ao julgamento que tornaram as provas nulas.
“No caso do Bolsonaro, ainda que o voto do ministro Fux tenha trazido questões atinentes à incompetência para julgamento, não nos parece haver a possibilidade de fatos surgirem que alterem este entendimento da competência. É algo que já está posto e será atingido certamente pela coisa julgada, com o trânsito em julgado desta decisão, então não haveria possibilidade de alteração pelo próprio Supremo”.
Por que Bolsonaro não foi julgado em 1ª Instância como Lula?
A diferença nas instâncias de julgamento ocorre pela mudança das regras de aplicação do foro privilegiado ao longo deste período. [9]
➡️ O foro privilegiado, tecnicamente chamado de “foro por prerrogativa de cargo”, é uma garantia prevista na Constituição que determina que autoridades como presidente da República, ministros e parlamentares sejam julgadas pelo STF quando os crimes têm relação com o cargo que ocupam.
Na época da Lava Jato, quando Lula foi julgado, vigorava o entendimento de que o foro privilegiado deixava de valer assim que a autoridade deixava o cargo, mesmo que os supostos crimes tivessem ocorrido durante o mandato.
Foi nesse cenário que Lula, já fora da Presidência, foi processado na Justiça Federal de Curitiba por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Os processos passaram pelas instâncias comuns antes de chegarem ao STF em fase de recurso.
Em 2018, o STF já havia limitado o foro privilegiado, restringindo-o apenas a crimes cometidos durante o exercício do mandato e em razão do cargo.
Em 2023, houve nova mudança: o tribunal passou a entender que, mesmo após deixar o cargo, ex-autoridades continuariam sendo julgadas pelo STF quando os crimes estivessem ligados diretamente à função exercida. A medida buscou evitar que políticos renunciassem apenas para tentar mudar a jurisdição e atrasar processos.
É justamente essa regra que se aplica ao ex-presidente Bolsonaro. As acusações da Procuradoria-Geral da República dizem respeito a supostos crimes cometidos durante o exercício da Presidência e contra o próprio Estado Democrático de Direito.
Por isso, o julgamento ocorre diretamente no STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes e análise da Primeira Turma da Corte.
Foto reproduzida da Internet