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Justiça para quem?

Está no Jornal GGN

por Giselle Mathias

Os últimos acontecimentos no país trazem reflexões a todos. A questão do Judiciário e do sistema de Direito saem da esfera de seus operadores e atingem a todo o país.

Desde o início do julgamento da AP 470 – o chamado mensalão -, o Brasil foi tomado por uma espécie de popularização do Direito, como se as normas jurídicas tivessem o mesmo nível de entendimento das regras de futebol. O que se viu no país foi uma ação popularesca do Poder Judiciário, utilizando o princípio constitucional da publicidade para justificar o espetáculo e a execração pública da política por meio de um simulacro de julgamento, o que, até os dias atuais, não foi devidamente debatido pela sociedade.

A espetacularização da AP 470, a banalização do Direito e a cobrança contínua de uma penalização a qualquer custo – imposta por setores da oligarquia –, utilizando-se dos meios de comunicação para a formação de uma opinião pública que, obviamente, não possuía então, e ainda não possui, qualificação para o debate jurídico, interferiu nas decisões judiciais.

O julgamento foi integralmente televisionado, as opiniões veiculadas convergiam todas para reforçar o sentido único da condenação, sem que fosse apresentada qualquer opinião jurídica contraditória. Havia apenas um lado sendo apresentado e reforçado, que estava sendo vendido à população, sem que o outro lado pudesse apresentar sua defesa. A desproporcionalidade era visível e jornalisticamente inaceitável.

O entendimento era o de que não caberia à mídia abrir espaço para o contraditório, afinal, a mídia não se igualaria ao Poder Judiciário e não atua no processo.

O mais absurdo da situação não era o engajamento midiático em favor da condenação, mas a postura da Corte Suprema em permitir que a dita opinião pública servisse de base para justificar as condenações. Assim se omitindo, o STF agiu para permitir as condenações não só de agentes políticos, mas também para iniciar uma campanha de criminalização da política e das atividades político partidárias no imaginário da população.

É fato que a formalidade processual foi respeitada!

No entanto, o Direito foi ignorado. Abriu-se espaço para uma atuação jurídica pautada apenas nas formalidades. As teorias jurídicas foram distorcidas e as interpretações foram pretextadas para se adequar às condenações, uma vez que a Suprema Corte comportava-se como se a sociedade exigisse condenações a qualquer custo, pois não suportava mais a alegada “sensação de impunidade”, imagem atribuída ao Judiciário.

Essa “sensação de impunidade” não era apenas um sentimento, mas a verdade vivida no país!

Historicamente, o Judiciário brasileiro está repleto de absolvições ou da postergação no andamento de processos que atendessem interesses, preservassem a liberdade, o patrimônio e o status quo da oligarquia. O aprisionamento sem condenações – ou condenações grotescas e absurdas (como a mulher que furtara uma manteiga em um supermercado) – sempre foi reservado à camada marginalizada da sociedade.

A impunidade da oligarquia e o encarceramento em massa das classes sociais mais baixas sempre foram a tônica do Poder Judiciário, em toda a história do Brasil.

O Brasil viveu por aproximadamente 21 anos em uma ditadura civil-militar, um triste período que jamais foi revisitado com a profundidade necessária, com a criação de tribunais de exceção e perseguição aos que se contrapunham aos Poderes e às regras postas neste período da história.

Apesar dos crimes contra a humanidade cometidos no Brasil nesse período, o Poder Judiciário preferiu convalidar a impunidade daqueles que se utilizaram do Estado para torturar e matar, ao invés de cumprir as normas humanitárias das quais o país é signatário. Trata-se de normas que fazem parte do Sistema Jurídico nacional mas que, simplesmente, foram ignoradas pela Suprema Corte brasileira. Assim fazendo, o STF manteve na impunidade aqueles que sempre atenderam à oligarquia.

Após 1985, com a saída dos generais do poder, o Brasil acompanhou um processo de redemocratização dos Poderes Legislativo e Executivo. O Poder Judiciário, entretanto, passou ao largo de uma democratização, apesar do acesso aos seus quadros se dar por concurso público. O Poder Judiciário manteve-se distante da sociedade e sem ser objeto de qualquer tipo de controle, possibilitando-lhe, assim, impor à sociedade a não punição dos crimes cometidos na ditadura civil-militar.

Hoje, o país se depara com as revelações de um grande escândalo envolvendo o Poder Judiciário, provavelmente, com envolvidos em todas as suas instâncias, ou seja, desde a primeira instância até o Supremo Tribunal Federal.

O escândalo revela não apenas o conluio entre Procuradores e Juízes para condenar, no caso algo intencional com interesses outros, mas também mostra ao país como opera o Sistema de Direito no Brasil, quando atua em relação àqueles que são considerados como ameaças ao poder oligárquico.

Imagem reproduzida do GGN

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