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Lula denuncia colapso do multilateralismo e condena genocídio em Gaza em seu discurso no BRICS

Está no Brasil 247

Durante a sessão Paz e Segurança, Reforma da Governança Global, realizada neste domingo(6) no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um contundente pronunciamento que denunciou a grave crise do multilateralismo e defendeu com firmeza a necessidade urgente de reformar as estruturas da governança internacional. O discurso foi lido por Lula durante a cúpula do BRICS e publicado na íntegra pela Presidência da República.

“O advento da ONU marcou a derrota do nazi-fascismo e o nascimento de uma esperança coletiva”, afirmou o presidente. “Mas hoje, presenciamos um colapso sem paralelo do multilateralismo”. Lula destacou que a atual reunião do BRICS ocorre no cenário global mais adverso desde a fundação da ONU, que completou 80 anos em 26 de junho.

O legado do BRICS e a ameaça à autonomia dos países do Sul

O presidente relembrou que muitos dos países hoje integrantes do BRICS foram membros fundadores da ONU e também protagonistas da Conferência de Bandung, que em 1955 rejeitou a divisão do mundo em zonas de influência e defendeu uma ordem internacional multipolar. “O BRICS é herdeiro do Movimento Não-Alinhado”, declarou Lula, ao destacar que a autonomia dos países do Sul Global está mais uma vez sob ameaça.

Entre os retrocessos denunciados estão os ataques aos regimes internacionais de clima e comércio, a fragilidade do sistema global de saúde — acentuada pela pandemia — e as “exigências absurdas sobre propriedade intelectual” que dificultam o acesso a medicamentos.

Direito internacional esvaziado e corrida armamentista

Em tom crítico, Lula apontou o esvaziamento do direito internacional: “O direito internacional se tornou letra morta, juntamente com a solução pacífica de controvérsias”, lamentou. Ele chamou atenção para o número inédito de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial e para a recente decisão da OTAN de aumentar os gastos militares: “É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos militares do que alocar os 0,7% prometidos para Assistência Oficial ao Desenvolvimento”.

“O temor de uma catástrofe nuclear voltou ao cotidiano”, alertou Lula, ao denunciar a instrumentalização de agências internacionais como a AIEA e o histórico fracasso das intervenções militares no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria.

Palestina, Gaza e a postura brasileira

Em um dos trechos mais fortes, Lula fez uma firme condenação às ações do Hamas, mas também criticou duramente o governo de Israel: “Nada justifica as ações terroristas perpetradas pelo Hamas. Mas não podemos permanecer indiferentes ao genocídio praticado por Israel em Gaza, à matança indiscriminada de civis inocentes e ao uso da fome como arma de guerra”.

Ele reiterou que a única solução possível para o conflito passa pelo “fim da ocupação israelense e com o estabelecimento de um Estado palestino soberano, dentro das fronteiras de 1967”.

Ucrânia, Irã e o papel do Sul Global

Lula reforçou o compromisso do Brasil com a paz e o diálogo, mencionando a criação do Grupo de Amigos para a Paz na Ucrânia, liderado por China e Brasil. Também condenou violações territoriais contra o Irã e defendeu uma solução negociada para o conflito com a Ucrânia.

Ao mencionar o Haiti, Lula criticou o abandono da comunidade internacional após a MINUSTAH e pediu a ampliação urgente do papel da ONU no país, com ações que combinem segurança e desenvolvimento.

Por uma nova governança internacional

Apesar do cenário alarmante, Lula reconheceu os avanços históricos proporcionados pelo multilateralismo, como o processo de descolonização, a proibição de armas químicas e o sucesso da missão da ONU no Timor-Leste. Citou ainda o exemplo da América Latina como Zona Livre de Armas Nucleares desde 1968 e o protagonismo da União Africana na resolução de conflitos.

Mas reforçou que o modelo atual está esgotado: “Se a governança internacional não reflete a nova realidade multipolar do século XXI, cabe ao BRICS contribuir para sua atualização”.

Para isso, propôs uma profunda transformação no Conselho de Segurança da ONU, com a inclusão de novos membros permanentes da Ásia, da África e da América Latina. “É mais do que uma questão de justiça. É garantir a própria sobrevivência da ONU”, enfatizou.

Chamado à ação

Lula finalizou seu discurso citando o “Chamado à Ação sobre a Reforma da Governança Global”, iniciativa da presidência brasileira do G20, e alertou: “Adiar esse processo torna o mundo mais instável e perigoso. Cada dia que passamos com uma estrutura internacional arcaica e excludente é um dia perdido para solucionar as graves crises que assolam a humanidade”.

O discurso do presidente Lula reforça o papel do Brasil como voz ativa do Sul Global e destaca o BRICS como plataforma essencial para construir uma ordem mundial mais justa, multipolar e democrática. 

Discurso do presidente Lula na sessão Paz e Segurança, Reforma da Governança Global do BRICS

Pela quarta vez o Brasil sedia uma Cúpula do BRICS.

De todas, esta é a que ocorre em cenário global mais adverso.

A ONU completou 80 anos no último dia 26 de junho e presenciamos colapso sem paralelo do multilateralismo.

O advento da ONU marcou a derrota do nazi-fascismo e o nascimento de uma esperança coletiva.

A grande maioria dos países que hoje integram o BRICS foram seus membros fundadores.

Dez anos depois, a Conferência de Bandung refutou a divisão do mundo em zonas de influência e avançou na luta por uma ordem internacional multipolar.

O BRICS é herdeiro do Movimento Não-Alinhado.

Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque.

Avanços arduamente conquistados, como os regimes de clima e comércio, estão ameaçados.

Na esteira da pior crise sanitária em décadas, o sistema de saúde global é alvo de investida sem precedentes.

Exigências absurdas sobre propriedade intelectual ainda restringem o acesso a medicamentos.

O direito internacional se tornou letra morta, juntamente com a solução pacífica de controvérsias.

Nos defrontamos com número inédito de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial.

A recente decisão da OTAN alimenta a corrida armamentista.

É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos militares do que alocar os 0,7% prometidos para Assistência Oficial ao Desenvolvimento.

Isso evidencia que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de prioridade política.

É sempre mais fácil investir na guerra do que na paz.

As reuniões do Conselho de Segurança da ONU reproduzem um enredo cujo desfecho todos conhecemos: perda de credibilidade e paralisia.

Ultimamente sequer é consultado antes do início de ações bélicas.

Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais.

Assim como ocorreu no passado com a Organização para a Proibição de Armas Químicas, a instrumentalização dos trabalhos da Agência Internacional de Energia Atômica coloca em jogo a reputação de um órgão fundamental para a paz.

O temor de uma catástrofe nuclear voltou ao cotidiano.

As violações recorrentes da integridade territorial dos Estados, em detrimento de soluções negociadas, solapam os esforços de não-proliferação de armas atômicas.

Sem amparo no direito internacional, o fracasso das ações no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria tende a se repetir de forma ainda mais grave.

Suas consequências para a estabilidade do Oriente Médio e Norte da África, em especial no Sahel, foram desastrosas e até hoje são sentidas.

No vazio dessas crises não-solucionadas, o terrorismo encontrou terreno fértil.

A ideologia do ódio não pode ser associada a nenhuma religião ou nacionalidade.

O Brasil repudiou os atentados na Caxemira.

Absolutamente nada justifica as ações terroristas perpetradas pelo Hamas.

Mas não podemos permanecer indiferentes ao genocídio praticado por Israel em Gaza e a matança indiscriminada de civis inocentes e o uso da fome como arma de guerra.

A solução desse conflito só será possível com o fim da ocupação israelense e com o estabelecimento de um Estado palestino soberano, dentro das fronteiras de 1967.

O governo brasileiro denunciou as violações à integridade territorial do Irã, como já havia feito no caso da Ucrânia.

É urgente que as partes envolvidas na guerra na Ucrânia aprofundem o diálogo direto com vistas a um cessar-fogo e uma paz duradoura.

O Grupo de Amigos para a Paz, criado por China e Brasil e que conta com a participação de países do Sul Global, procura identificar possíveis caminhos para o fim das hostilidades.

Gravíssimas crises em outras partes do mundo seguem ignoradas pela comunidade internacional.

No Haiti tivemos a MINUSTAH, mas a comunidade internacional abandonou o país antes da hora. O Brasil apoia a ampliação urgente do papel da Missão da ONU no país, que combine ações de segurança e desenvolvimento.

Senhoras e senhores,

Nas oito décadas de funcionamento das Nações Unidas, nem tudo foi fracasso.

A organização foi central no processo de descolonização.

A proibição do uso de armas biológicas e químicas é exemplo do que o compromisso com o multilateralismo pode alcançar.

O sucesso de missões da ONU no Timor-Leste demonstra que é possível promover a paz e a estabilidade.

A América Latina fez a opção, desde 1968, por ser uma Zona Livre de Armas Nucleares.

A União Africana também consolida seu protagonismo na prevenção e resolução de conflitos que afligem aquele continente.

Se a governança internacional não reflete a nova realidade multipolar do século XXI, cabe ao BRICS contribuir para sua atualização.

Sua representatividade e diversidade o torna uma força capaz de promover a paz e de prevenir e mediar conflitos.

Podemos lançar as bases de uma governança revigorada.

Para superar a crise de confiança que enfrentamos, é preciso transformar profundamente o Conselho de Segurança.

Torná-lo mais legítimo, representativo, eficaz e democrático.

Incluir novos membros permanentes da Ásia, da África e da América Latina e do Caribe.

É mais do que uma questão de justiça.

É garantir a própria sobrevivência da ONU.

Esse é o espírito do “Chamado à Ação sobre a Reforma da Governança Global” lançado pela presidência brasileira do G20.

Adiar esse processo torna o mundo mais instável e perigoso.

Cada dia que passamos com uma estrutura internacional arcaica e excludente é um dia perdido para solucionar as graves crises que assolam a humanidade.

Muito obrigado.

Foto reproduzida da Internet

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