Está no Blog da Sandra Cohen
A poderosa imagem da reunião improvisada entre os presidentes Donald Trump [1] e Volodymyr Zelensky [2], no interior da Basílica de São Pedro, pouco antes do funeral do Papa Francisco, reforçou também o simbolismo de seu legado.
Há menos de uma semana, em sua última aparição pública na missa de Páscoa, o combalido pontífice ressaltou, como vinha insistindo há três anos, a necessidade de esforços em “direção a uma paz justa e duradoura” na Ucrânia.
O primeiro encontro de Trump e Zelensky, dois meses após a desastrada recepção ao ucraniano [3] em Washington, durou 15 minutos e foi descrito como muito produtivo pelos dois governos [4]. Em fevereiro, o líder ucraniano foi maltratado, acusado pelo americano de estar perto de provocar a Terceira Guerra Mundial e praticamente enxotado da Casa Branca.
Neste sábado (26), o novo encontro refletia uma atmosfera amistosa e intimista, com ambos os líderes sentados, frente a frente, em cadeiras vermelhas dispostas na imponente basílica. Proporcionada pela despedida a Francisco, a reunião se dá, contudo, num momento tenso das negociações, já que Trump vem forçando a barra para que a Ucrânia aceite um acordo de paz com a Rússia claramente desigual para o país invadido.
A proposta americana para alcançar a paz prevê, entre outros pontos, o controle pela Rússia de quase 20% do território ucraniano, que foram conquistados após a invasão do país e o reconhecimento da Crimeia como russa pelos EUA. Em troca, Putin se comprometeria a cessar a anexação de áreas ucranianas.
Por motivos óbvios — a falta de confiança em Putin, por exemplo — Zelensky vem resistindo a este modelo, mas demonstrou otimismo após o encontro no Vaticano [5]. Segundo ele, ambos abordaram o cessar-fogo total e incondicional.
“Uma paz confiável e duradoura que impedirá a eclosão de outra guerra. Um encontro muito simbólico e tem potencial para se tornar histórico, se alcançarmos resultados conjuntos”, descreveu pelas redes sociais.
O funeral de Francisco congregou dezenas de líderes mundiais em Roma [6], alguns com posições antagônicas com o papa. Trump se destaca como o principal, sobretudo pelo combate aos imigrantes, na rota inversa da do pontificado de Francisco.
Assim, foi inevitável a associação ao presidente americano, quando o cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio dos Cardeais, destacou na homilia as frequentes incursões de Francisco junto aos imigrantes [7] e o seu apelo repetido para a construção de pontes e não de muros. O recado foi mais do que implícito.
*Sandra Cohen é especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em ‘O Globo’
Foto: Divulgação/Governo da Ucrânia