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“Nós da família Santa Cruz ficamos indignados com o presidente”, disse Arthur

O blogdobarbosa entrevistou João Arthur Santa Cruz, irmão do desaparecido político Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, sobre a polêmica declaração do presidente Jair Bolsonaro de que, ‘se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele’. Arthur, que é pernambucano de Olinda, mas radicado em Natal, onde trabalha como diretor-financeiro da Unicat (Unidade Central de Agentes Terapêuticos), disse que sua família ficou indignada com a forma com que Bolsonaro fez insinuações sobre o desaparecimento do seu irmão, mas nem por isso apelou baixando o nível. Segue a entrevista:

1-blogdobarbosa – Como você e sua família receberam a declaração do presidente em relação ao desaparecimento do seu irmão?

Arthur Santa Cruz – Nós da família Santa Cruz vimos com muita indignação. Após 45 anos um presidente da República vai à TV e apenas por uma questão pífia diz que o pai de Felipe tinha sido morto pelos companheiros. O presidente continua mentindo porque o meu irmão, na época em que foi preso pela ditadura, tinha residência fixa no Rio de Janeiro, era servidor público, então não poderia está no Rio como clandestino como ele insinuou.

2- blogdobarbosa – O presidente insinuou que sabe como o seu irmão desapareceu.

Arthur – Esperamos que o presidente da República diga ao Brasil o que sabe sobre a morte do meu irmão e onde ele foi enterrado, se realmente foi enterrado, porque o que se sabe é que o seu corpo foi incinerado, para que possamos enterrar ele de maneira digna, pois a minha mãe não teve essa oportunidade, pois morreu aos 105 anos sem poder enterrar o seu filho.

3- blogdobarbosa – A Sra sua mãe, Elzita de Santa Cruz, foi uma guerreira na busca para encontrar o seu irmão. Ela faleceu a pouco sem conseguir o seu objetivo, que era saber o paradeiro de Fernando Santa Cruz.

Arthur – Minha mãe foi realmente uma guerreira. Aos 102 anos de idade ela foi premiada em Brasília com o Prêmio de Direitos Humanos pela procura incansável do meu irmão. Chegou a ter o nome relacionado para o Prêmio Nobel da Paz.

4-blogdobarbosa – A OAB vai provocar o Supremo sobre a declaração do presidente. Qual a posição da família Santa Cruz?

Arthur – A OAB, através de Felipe, vai pedir ao STF para que intime o presidente para que ele diga o paradeiro dos assassinos do seu pai e nosso irmão. Nós, irmãos, junto com a entidades de Direitos Humanos estamos entrando com um pedido junto a Procuradoria Geral da República para que faça o mesmo.

5-blogdobarbosa – Você falou que o corpo de Fernando pode ter sido incinerado e que por isso seus restos mortais nunca apareceram. Em que você se baseia?

Arthur – O ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra, que escreveu um livro sobre a “Guerra Suja”, disse que Fernando, Eduardo Collier e Luiz Maranhão, que inclusive era daqui de Natal, e mais oito estudantes, estiveram presos numa casa em Petrópolis, no qual, ele, o delegado Cláudio Guerra, fora incumbido  para levar todos os presos para uma usina em Campos, no Rio de Janeiro, onde foram incinerados numa caldeira.

6-blogdobarbosa – O presidente Bolsonaro insinuou que Fernando Santa Cruz participou da luta armada.

Arthur – Fernando nunca pegou em armas. O crime maior que ele cometeu foi sonhar com um Brasil justo, onde não existisse exploração dos grandes contra os pequenos.

7-blogdobarbosa – Na sua família tem mais alguém que sofreu com a repressão do regime militar?

Arthur – Os meus pais sempre nos deram uma educação com liberdade. Em 1968, Marcelo, meu irmão mais velho fazia o 4º ano de Direito na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e aí por defender a igualdade das pessoas e seus direitos teve 48 horas para deixar o país, tendo que se exilar em Portugal. Após 1 ano e meio voltou ao Brasil e viveu na clandestinidade no Rio de Janeiro, voltando depois para Olinda em 1971. Uma tragédia se abateu na família Santa Cruz. Rosalina, minha irmã mais velha, assistente social, funcionária do extinto BNH, foi presa e torturada. Grávida de três meses perdeu o filho. Minha mãe saiu de Olinda e passou 45 dias a procura dela no Dops, nos quartéis, nas delegacias e após esse período um torturador disse onde Rosalina se encontrava. Presa na Ilha das Cobras no Rio de Janeiro.

8-blogdobarbosa – Todos da sua família participaram de uma forma ou de outra na luta contra a ditadura?

Arthur – Todos na minha família participaram da luta estudantil contra a ditadura. Márcia Santa Cruz, outra irmã minha que como militante de esquerda combateu a ditadura emprestando o seu nome para contratar advogados para defender os presos políticos foi outra perseguida pelo regime. Mas a história que marcou mais foi a de Fernando, porque foi tido como desaparecido político. O maior legado que ele deixou foi o seu filho, Felipe Santa Cruz, hoje presidente da OAB. Assim, nós da família Santa Cruz, estamos indignados com a forma que o presidente tratou a questão do desaparecimento de Fernando. Mas em nenhum momento a gente baixou o nível para responder ao presidente.

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