Janeiro de 1992. Mês que a gente chama nas redações de entressafra na política. Ou seja, aquele mês em que as casas legislativas estão em recesso e normalmente as matérias políticas rendem pouco. O repórter de política tem que tirar “leite de pedra” para produzir algo substancial. Era repórter de Política do Diário de Natal nessa época e descobrimos que o então deputado José Dirceu (PT-SP) estava em Natal passando férias com a família. A missão era descobrir o hotel em que estava hospedado e tentar fazer uma entrevista com ele. Liguei para minhas fontes e peguei o endereço do hotel. Ficava em Ponta Negra.
José Dirceu e o impeachment de Collor
Com a pauta na mão chamei o fotógrafo Carlos Silva e fomos ao encontro de José Dirceu. Naquele momento nem se pensava ainda em convocar uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] para investigar o (des)governo Collor. O PT como principal partido de oposição fazia lá suas críticas, mas jamais imaginaríamos que Collor tivesse que renunciar ao cargo de presidente da República acossado que foi depois por uma CPI que queria o seu impeachment.
Chegando ao hotel onde Zé Dirceu estava, o encotramos numa mesa à beira da piscina com a sua mulher e os dois filhos – salvo engano – tomando banho. Me identifiquei e ele prontamente se colocou à disposição para dar a entrevista. A primeira impressão que tive do petista era se tratar de uma pessoa altamente intelectual. E foi confirmado. Antes da entrevista chegamos a bater um rápido e gostoso papo sobre Natal e, claro, a política nacional.
Iniciei a entrevista e Carlos Silva não parava de tirar fotos. Vários eram os ângulos. A mulher de Zé Dirceu nesse momento preferiu nos deixar à vontade e foi ficar com as crianças na piscina. Dirceu começou então a tecer críticas contra o governo Collor. Não se imaginava que o chamado esquema PC teria como beneficiários integrantes do alto escalão do governo e o próprio presidente. Mas parece que Zé Dirceu adivinhava. Na entrevista falou sobre o desmando que vinha ocorrendo no Planalto e a preocupação do PT com a possibilidade da coisa se agravar. O petista não poupou Collor principalmente pelo confisco da poupança.
Em maio a revista Veja sai com uma reportagem sobre o esquema PC detonado pelo irmão de Collor, empresário Pedro Collor. No mês seguinte, o Congresso Nacional instalou a CPI para investigar o caso. Durante o processo investigatório, personagens como Ana Accioly, secretária de Collor, e o potiguar Francisco Eriberto, seu ex-motorista, prestaram depoimento à CPI confirmando as acusações e dando detalhes do esquema. O resto da história todo mundo sabe.
O fato é que sem querer acabei produzindo um ótimo material com a entrevista que fiz com José Dirceu. O que ele falou nessa entrevista sobre o governo acabou realmente acontecendo meses depois. A corrupção era tanta dentro do governo que já em janeiro Dirceu anunciara a preocupação com uma possível crise institucional no país. E foi o que ocorreu.
Recordo-me dessa entrevista como uma das melhores que fiz trabalhando na editoria de Política do Diário de Natal. Primeiro pela facilidade de falar do entrevistador e seu conhecimento, o que já facilita o nosso trabalho. Segundo pelo o que José Dirceu já previa. Daí ter rendido uma excelente reportagem.
Obs do blog: Confira essa e outras memórias no baú de um repórter indo em BUSCA na coluna à direita do blog e digitando uma palavra-chave.