por Florestan Fernandes Jr, no Brasil 247
Não é preciso grande esforço para levantar o discurso de ódio, homofóbico, racista, machista e de violência nas falas de Bolsonaro. O ódio às minorias e a violência pautaram os mais de 30 anos da vida política do capitão – que em 2018 vendeu a imagem de “outsider”. A postura bélica, o desprezo às leis e a indisciplina já se apresentavam em tempos mais remotos, quando o tenente Bolsonaro estava na ativa e foi acusado de planejar ataques a bomba a unidades militares como forma de protesto. O ex-presidente Ernesto Geisel, general do Exército, qualificou Bolsonaro como um “mau militar”.
Mas foi na carreira de político do baixíssimo clero que Bolsonaro externou à exaustão seu desapreço pela vida humana e pela democracia. Em 1999, disse que “através do voto você não vai mudar nada nesse país… Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com o FHC…”
Em 2003, ele atacou a deputada Maria do Rosario (PT-RS), afirmando que não estupraria a parlamentar porque ela não merecia, por ser “muito feia”.
Em 2017, destilou todo seu racismo ao dizer que: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais.”
Mas não se limitou à fala. Sua conduta é coerente com seu discurso. O clã Bolsonaro não apenas conviveu com milicianos e paramilitares, mas condecorou alguns dele. O senador Flavio Bolsonaro, filho “01”, quando deputado estadual no RJ, concedeu 32 medalhas a agentes das forças policiais, inclusive para aqueles flagrados em ações suspeitas. Um rastro das afinidades dos Bolsonaro com os milicianos mais perigosos do Rio de Janeiro, entre eles, o temido tenente do Bope, Adriano da Nóbrega, parceiro de Fabricio Queiroz, este, dileto amigo do “Mito” e articulador do apoio das fardas, ao então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Os dois, Queiroz e Adriano, operavam com as milicias na Cidade de Deus. Acusado de chefiar o Escritório do Crime, Adriano da Nóbrega era o principal suspeito de participação na execução de Marielle Franco (Psol) e do motorista Aderson Gomes. Adriano era um arquivo ambulante e foi morto pela PM baiana, em fevereiro de 2020. A associação da família Bolsonaro a pautas anti-minorias e antidemocráticas, vem de longe.
Sucessivos ataques às instituições da República e aos valores ligados à proteção da vida são cotidianos nesses quase 4 anos de mandato do capitão. Tudo orquestrado com o objetivo de erodir as bases da República. Os crimes de ódio e atentados também têm se sucedido a uma velocidade que nos entorpece e desafia a nossa memória.
Durante a campanha eleitoral de 2018, a execução da vereadora Marielle Franco chocou o Brasil. Após o primeiro turno daquela eleição, o Mestre Moa do Katendê, compositor, percussionista, artesão, educador e mestre de capoeira, foi morto com 12 facadas por um bolsonarista, após declarar seu voto no PT.
Em setembro de 2019, em crime até hoje não esclarecido, o indigenista Maxciel Pereira dos Santos, foi executado com dois tiros na nuca, na frente de sua mulher e filha, na cidade de Tabatinga (AM). Foi também durante a gestão de Bolsonaro que se registrou aumento exponencial de crimes contra indígenas e quilombolas. Apenas no primeiro ano do governo, ocorreu o maior número de lideranças indígenas assassinadas dos últimos 11 anos, conforme relatório, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) divulgado pela Agência Pública.
O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, chocou o mundo, tanto pelo histórico de defesa de causas indígenas e ambientais por parte das vítimas, quanto pela crueldade dos atos de execução delas.
A violência urbana e policial também vêm numa crescente. As duas maiores chacinas da história do Rio, em Jacarezinho (2021) e na Vila Cruzeiro (2022), ceifaram mais de 50 vidas e foram comemoradas por Bolsonaro. A execução de Genivaldo de Jesus Santos numa câmara de gás, fabricada por agentes da PRF dentro de uma viatura, nos remeteu aos horrores dos campos de concentração nazistas.
Os seguidos ataques com bombas caseiras aos atos políticos promovidos por Lula e até mesmo contra o Juiz Federal que determinou a prisão de Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro, dão o tom do clima de violência política, que tem apresentado uma crescente nos últimos dias e que culminou com o homicídio covarde do guarda municipal e tesoureiro do PT, Marcelo Arruda, morto a tiros por um militante bolsonarista.
São eventos de violência que se sucedem e que convergem para uma mesma fonte de incentivo.
Poucas horas antes do assassinato do petista Marcelo Arruda, Eduardo Bolsonaro, o filho 03, participou de um evento pró-armas, transformado em palanque eleitoral do capitão-presidente. Em seu discurso, repleto de xingamentos a grupos desarmamentistas, o deputado conclamou os participantes a não respeitar “a esquerdalha”. Na quinta-feira anterior, em sua live semanal, o presidente já havia dado o recado a seus militantes:” Não preciso dizer o que estou pensando, mas você sabe o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições”.
O sentido da fala de Bolsonaro, quando afirma “você sabe como deve se preparar” “sabemos o que temos que fazer”, é uma clara convocação aos seus militantes e não pode ser relativizada. Não é possível que as instituições, responsáveis pelo anteparo da democracia, sigam relativizando os reiterados ataques e ameaças que o presidente da República profere contra a ordem democrática.
Os eventos de violência que têm se sucedido durante um governo que cria inimigos imaginários e atenta contra a própria nação, demonstram a gravidade deste momento histórico e a urgência da atuação destas mesmas instituições, sob pena da própria extinção, das instituições, da já erodida democracia. E de um Estado autoritário que pode perpetuar.
Foto reproduzida da Internet