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A mais recente análise do instituto Quaest sobre o debate político nas redes sociais apontou que o governo Lula (PT) saiu vitorioso no embate digital com o Congresso Nacional, impulsionado pela crise envolvendo o decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Segundo o levantamento, 61% das menções ao Congresso foram negativas, enquanto apenas 11% dos conteúdos citando o Executivo tinham esse tom.
A pesquisa da Quaest analisou mais de 4,4 milhões de postagens feitas entre os dias 24 de junho e 4 de julho em redes como X (antigo Twitter), Instagram, Facebook, YouTube e em sites de notícias. No período, o conteúdo sobre o embate entre Legislativo e Executivo alcançou, em média, 32 milhões de contas por hora. O resultado revela não apenas o elevado engajamento do tema, mas também uma inversão na dinâmica tradicional do desgaste político digital, que geralmente recai sobre o governo, segundo aponta reportagem [1] do Valor.
‘Inimigos do povo’ e foco no Congresso
A hashtag #InimigosDoPovo foi uma das mais utilizadas nas publicações analisadas, aparecendo em cerca de 300 mil menções. No total, 18% das postagens traziam esse termo, enquanto “Congresso da mamata” surgiu em 13%. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi mencionado diretamente em 8% das postagens, refletindo a personalização das críticas ao Parlamento.
A revolta virtual cresceu especialmente após o dia 25 de junho, quando o Congresso votou pela derrubada do decreto presidencial que aumentava a alíquota do IOF, medida que fazia parte da estratégia do governo para ampliar a arrecadação e equilibrar as contas públicas. O episódio levou o governo a recorrer ao Supremo Tribunal Federal e gerou forte mobilização digital contra o Legislativo.
Lula não foi o foco da insatisfação
Ao contrário do que ocorreu em outras crises políticas recentes, como o escândalo de fraudes no INSS ou o anúncio do aumento do IOF, em que Lula teve 77% e 76% de menções negativas, respectivamente, neste episódio o presidente foi citado em 15% das postagens — das quais 45% foram positivas, 31% negativas e 24% neutras.
Segundo o relatório da Quaest, isso demonstra que “Lula não é o foco central do desgaste atual”, e o governo conseguiu reposicionar a narrativa, associando o impasse ao Congresso e não à Presidência. Os dados revelam que, ao contrário de outras disputas, a campanha digital governista conseguiu mobilizar a opinião pública de forma eficaz.
Esquerda mais engajada do que a oposição
Outro dado que surpreendeu os analistas foi a prevalência do discurso governista nas redes, superando inclusive a tradicional vantagem da oposição em termos de engajamento digital. Parlamentares alinhados ao governo foram responsáveis por quase 50% dos posts sobre o tema, enquanto a oposição respondeu por apenas 31,5%, índice abaixo do registrado em outras crises — como no caso do INSS, quando a oposição dominou com 51% das postagens.
Os números absolutos também ilustram essa virada. Enquanto 119 parlamentares da base aliada fizeram 741 postagens sobre a crise do IOF, os 112 congressistas da oposição publicaram 378 vezes. Parlamentares de centro contribuíram com 218 postagens, somando 18% do total.
Mesmo com equilíbrio no número de curtidas (1 milhão para cada lado), o volume de comentários nas postagens governistas (154 mil) se aproximou do da oposição (159 mil), revelando uma disputa acirrada. Para a Quaest, “a oposição saiu enfraquecida, enquanto parlamentares governistas buscaram manter a mobilização anti-Congresso”.
Estratégia de confronto e responsabilização
A atuação mais combativa da base governista — tanto no discurso quanto na mobilização digital — é interpretada pelos pesquisadores como parte de uma estratégia de confronto institucional. Segundo o relatório da Quaest, a base aliada “tensiona a relação com o Legislativo, usando o tema como instrumento de confronto político contra a oposição e retórica de responsabilização institucional”.
Essa guinada revela uma mudança de postura: diferentemente de outras crises, em que o governo era mais reativo nas redes, agora adotou uma linha ofensiva e conseguiu direcionar o foco da insatisfação popular ao Congresso, em especial ao presidente da Câmara, Hugo Motta.
O levantamento da Quaest ajuda a ilustrar como o campo progressista pode vencer batalhas simbólicas e narrativas no ambiente digital, tradicionalmente dominado por forças conservadoras. Ao transformar o Congresso em alvo principal da insatisfação popular, a esquerda mostrou que, ao menos nesta crise, saiu fortalecida das redes — e com potencial de influência real sobre a opinião pública.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
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