Está no Congresso em Foco
Uma canetada do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Raimundo Carreiro permitiu à Câmara dos Deputados gastar ao menos R$ 214,8 milhões com pagamentos considerados irregulares por auditores e, depois, pelo próprio ministro e seus colegas de plenário. Relator de auditoria sobre ilegalidades na folha da Casa, Carreiro decidiu não conceder liminar – como queriam os técnicos do tribunal – para cortar, antes do julgamento em plenário, supersalários [1] de 1.111 servidores e gratificações de outros tantos funcionários vinculadas aos subsídios dos deputados. Os valores foram suspensos posteriormente, mas milhões já haviam sido gastos entre a negativa do ministro e o corte dos benefícios.
Doze meses após a decisão do ministro, a própria Câmara acabou com as gratificações vinculadas. Aí, já haviam sido desperdiçados R$ 104,4 milhões. Mais de dois anos depois, o plenário do TCU, seguindo voto de Carreiro, determinou também o corte dos supersalários. Aí, já haviam sido perdidos outros R$ 110,4 milhões, segundo cálculos do Congresso em Foco com base nos valores apurados pelos auditores da Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip) do tribunal.
Os rendimentos dos servidores com megacontracheques ultrapassavam os R$ 26,7 mil por mês, o teto da época. O ministro afirmou à reportagem que deixou de suspender os supersalários porque remunerações de servidores têm “caráter alimentar”. “[Houve] avaliação quanto a existência dopericulum in mora [perigo da demora] reverso, em razão do caráter alimentar dos referidos valores”, explicou ele, em nota ao Congresso em Foco enviada na tarde de quinta-feira (5).
Carreiro disse não acreditar que suas decisões tenham influenciado, mesmo de forma indireta, em gastos de R$ 215 milhões. “Em qualquer processo, administrativo ou judicial, somente se pode concluir que há, de fato, uma ilegalidade-irregularidade após a fase de contraditório e da ampla defesa, que ocorreu após a auditoria. Isso é disposição constitucional.”
Antes de tomar sua decisão, o ministro recebeu esclarecimentos da Câmara, que defendeu a manutenção dos supersalários e dos rendimentos vinculados aos deputados – argumentos utilizados por Carreiro em seu despacho. Após essa fase inicial, a Câmara enviou novos esclarecimentos ao TCU para embasar sua defesa até o julgamento em plenário.
Ministro diz que decisões são “momentos completamente diferentes” [2]
A decisão de Carreiro foi dada em junho de 2011, três meses depois de a Câmara prestar esclarecimentos. Ao negar o corte nos megacontracheques, ele disse que não havia perigo de uma demora impactar as contas públicas porque os valores poderiam ser ressarcidos pelos servidores. “O eventual dano que se possa configurar (…) não é de difícil reparação uma vez que a lei (…) preveem as formas de reposição ao Erário”, argumentou o ministro. As normas citadas por ele descrevem como fazer descontos nos holerites para repor perdas aos cofres públicos.
Em agosto de 2013, Carreiro produziu um voto, seguido em acórdão pelos ministros do TCU, determinando o corte proposto pelos auditores dois anos antes. Mas, ao contrário do que afirmara em 2011, ele foi o principal defensor da tese de que os supersalários não deveriam ser devolvidos pelos funcionários.
Ex-servidor do Senado, o ministro do TCU disse que os rendimentos foram recebidos de “boa-fé”, ao contrário do que argumentava o ministro Walton Alencar, que exigia a cobrança do dinheiro recebido a mais nos últimos cinco anos.
“Considero não ser cabível a cobrança proposta, em razão da presença da boa-fé dos servidores, da existência de orientação normativa no âmbito do Órgão sobre a matéria, bem como da inegável controvérsia existente na interpretação do teto constitucional no âmbito da Administração Pública”, disse Carreiro em seu voto.