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Um passo atrás na História

por Paulo Moreira Leite, no site Brasil 247

A vergonhosa jornada do TRF-4 ajuda a lembrar aos 210 milhões de brasileiros que o esforço pela recuperação do Estado Democrático de Direito está longe de terminado.

Em 7 de novembro, deu-se um passo em frente, na decisão do Supremo que abriu as portas das prisões brasileiras para réus encarcerados em desacordo com o inciso LVII do artigo 5 da Constituição.

Expressando a profundidade das incertezas políticas e jurídicas que o país acumula desde que o general Villas Boas alterou  o entendimento do STF sobre o transito em julgado pelo twitter, em abril de 2018, o TRF-4 lembrou ontem que Lula pode estar solto — mas ainda não está livre. 

Também mostrou que o STF pode achar que Lula foi desrespeitado em sua presunção da inocência, pois não teve direito à última palavra após o depoimento de delatores quando o caso do sítio foi julgado em Curitiba. Seria uma chance importante para a defesa questionar a argumentação de testemunhas que preocupadas em salvar a própria pele — inclusive através de mentiras. Mas o TRF-4, corte de segunda instância, pensa diferente e fez questão de demonstrar isso com todas as  letras. 

A escandalosa condenação a 17 anos, um mês e dez dias pelo sítio de Atibaia traça uma linha de continuidade — agravada — com a pena de 12 anos e um mês que o mesmo tribunal lhe dera em função do triplex do Guarujá.

Ambas sentenças se equivalem pela inconsistência e crueldade. Podem ser criticadas e condenadas. Mas não constituem uma surpresa. 

Nos dois casos, os juízes se confessaram incapazes de provar que Lula é o dono dos dois imóveis que se encontram no coração das denúncias. 

Num homem de 74 anos, a pena de ontem equivale a uma condenação até os 91. Caso não venha a ser anulada, necessidade evidente em função das notórias demonstrações de parcialidade contra Lula ao longo do processo, a sentença pode afastar Lula definitivamente da campanha de 2022, eleição que Bolsonaro encara como uma chance de confirmação do regime híbrido que supostamente destrói primeiro para   construir depois.

Cabe meditar sobre alguns fatos no calendário jurídico-político. Em setembro do ano que vem, Dias Toffoli passa a presidência do STF para Luiz Fux, magistrado com um alinhamento conhecido. No mesmo período,  Bolsonaro pode indicar o substituto de Celso de Mello. Em 2021, de Marco Aurélio.

A maioria de 6 a 5 que abriu a porta da prisão para Lula pode mudar de sentido e se transformar num 7 a 4 até lá. Imagine-se o debate — na Corte — caso o Congresso aprove a prisão em segunda instância nos próximos meses. 

O passo atrás de ontem representa uma retrocesso e tanto. Uma luta que há quinze dias parecia perto de terminar talvez se encontre diante de um longo começo.

Cabe ponderar com prudência, contudo. A realidade política da América Latina mostra que o grande impulso das mudanças vem da mobilização do povo e sua capacidade de resistência. Imagine o Chile há um mês. A Argentina antes da eleição. Imagine o Brasil antes de Lula sair da prisão. 

É bom lembrar que a luta está no começo e os brasileiros não deram a palavra final.

Alguma dúvida? 

* Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na Veja e na Época, foi correspondente na França e nos EUA

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