Editorial, O Baú de um Repórter, Política

O Baú de um Repórter

Nas minhas memórias de redação não posso deixar de falar na auto-censura exercida pelos próprios jornais. Tive oportunidade ao longo desses mais de 25 anos de jornalismo trabalhar em duas redações de matutinos: O Diário de Natal e o JH Primeira Edição em sua primeira fase ainda como tablóide. Em todos os dois senti a auto-censura no seu corpo direcional. Vamos ao fato:

O dia em que o jornal em que trabalhava censurou uma entrevista minha

Quando editor de Política do JH Primeira Edição na época da campanha eleitoral para as eleições de governador em 2006 passei por uma experiência negativa de auto-censura da direção do jornal. Naquelas eleições disputavam o governo do estado sete candidatos. Nada mais democrático do que dar espaço a todos eles.

Como não tínhamos repórteres suficientes na editoria para acompanhar cada um dos sete candidatos decidi que iríamos fazer a cada semana uma entrevista de perguntas e respostas, um ping-pong, no jargão josnalístico. Como os dois principais candidatos no pleito eram o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) e a governadora Wilma de Faria (PSB), candidata a reeleição, deixei que ouvíssimos os dois por último. O número de perguntas teria que ser o mesmo para cada candidato. Claro que as perguntas não poderiam ser as mesmas para todos, óbvio.

Todos os seis primeiros candidatos contatados pela editoria de Política do JH Primeira Edição foram receptivos a proposta e deram entrevistas, exceto a governadora Wilma de Faria. As entrevistas eram veiculadas sempre às segundas-feiras. Pedi a repórter Daniela Freire para entrar em contato com a assessoria da candidata Wilma de Faria, o que foi feito. Foram realizadas três tentativas para marcar a entrevista. Na última pediram ao jornal para mandar as perguntas por e-mail. O que mesmo contrariando o que havíamos combinado mandamos assim mesmo.

Nessa última tentativa para a entrevista e aceitando as condições impostas pela assessoria da candidata demos um prazo para resposta com uma semana de antecedência. O prazo se expirava num sábado, dia para editar o material para que a entrevista saísse na segunda-feira. Tínhamos uma página e meia destinado a entrevista.

Pois muito bem: No sábado, dia em que se expirava o prazo, mantivemos um novo contato. A assessoria da então candidata Wilma de Faria já estava com as perguntas em mãos. Só cabia a candidata respondê-las e sua assessoria enviá-las para o e-mail do jornal. Eís que para minha surpresa a sua assessoria diz que Wilma não iria responder por que tinha perguntas que não diziam respeito a eleição. Uma delas falava na questão do foliaduto – desvio de recursos da ordem de R$ 2,1 milhões  na Fundação José Augusto para pagar bandas de carnaval que não chegaram a se apresentar em alguns municípios do interior do estado. Argumentei que a candidata responderia essa pergunta se quisesse, mas que seria interessante ela responder as outras. Nada feito.

Já com a hora avançada e com limite de deadline para o fechamento do jornal no sábado decidi, em consideração aos leitores, publicar as perguntas mesmo não estando elas respondidas. Para que  os leitores soubessem o que ocorrera coloquei ainda uma Nota da Redação justificando o fato da candidata Wilma de Faria não ter concedido a entrevista ao jornal, afinal todos os outros seis candidatos foram ouvidos.

Qual surpresa minha na segunda-feira ao abrir o jornal tinha uma matéria nacional no lugar das perguntas feitas a então candidata Wilma de Faria. Quando cheguei ao jornal questionei com a diretora de Redação Silvia Sá e ela me explicou que a assessoria da candidata tinha entrado em contato justificando o fato de Wilma não ter concedido a entrevista. Foi usado o mesmo argumento que me deram. Infelizmente muitos leitores ficaram sem saber o que tinha ocorrido. Sequer pude explicar na edição da terça-feira o que houve. A “tesoura” funcionou na redação do JH Primeira Edição. Deviam ter feito como na época da ditadura: ter colocado uma receita de bolo.

Obs do Blog: O web-leitor que quiser saber de outras memórias deste repórter é só ir em BUSCA na coluna à direita do Blog e digitar uma palavra-chave tipo baú.

Compartilhe:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *