Entrevista

`O atual modelo de financiamento de campanha está na base da corrupção política brasileira´

O blog publica uma entrevista com o juiz Marlon Reis, a quem tive oportunidade de conhecer pessoalmente numa palestra que fez na Reitoria da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) pouco antes do primeiro turno das eleições o ano passado. De lá pra cá mantemos contatos através do twitter. Hoje brindo os leitores com uma entrevista com o magistrado. Marlon Reis é maranhense, juiz de Direito, membro do Comitê Nacional do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), um dos redatores da Lei Ficha Limpa e autor do livro “Nobre Deputado”. Segue a entrevista:

blogdobarbosa – A oposição e parte da sociedade ensaiam movimentos para pedir o impeachment da presidenta Dilma.  O Sr. entende que se tem base legal para que isso ocorra?

Marlon Reis – Muito embora para a deflagração do processo de impeachment devam ser observados alguns marcos de natureza técnico-jurídica, esse instrumento possui matriz nitidamente política. Esta a razão pela qual me eximo de responder essa pergunta. Minha condição de magistrado me detém.

blogdobarbosa – A corrupção está enraizada na política brasileira. Isso é um fato. O que deve ser feito, no entendimento do Sr., para que essa prática nefasta seja sepultada?

Marlon Reis – É preciso mudar o modo como encaramos o Estado. Ainda não vivemos plenamente em uma república, visto que subsiste uma clara confusão entre o que é público e o que é privado. Essa falha está situada em um campo complexo que envolve aspectos culturais e institucionais. A saída para isso é igualmente complexa, mas possível. Precisamos trabalhar no campo da educação política da sociedade e ao mesmo tempo fortalecer os instrumentos institucionais de combate à corrupção. Nesse último campo tem destaque a reforma política, mais uma vez negligenciada pelo Congresso Nacional.

blogdobarbosa – Ficou provado, agora no escândalo do petrolão, que o financiamento de campanha por empresas é, diria, a maior causa da corrupção na política brasileira. Como o Sr. ver, por exemplo, políticos como o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), relator da reforma política, defender que se continue essa prática?

Marlon Reis – Não existem razões jurídicas, políticas ou éticas para se defender a permanência do atual modelo de financiamento de campanhas. Ele está na base da corrupção política brasileira. Não é uma das consequências, mas uma das causas do grande volume de desvios de recursos de campanha que devem assolar o Erário. A maioria dos deputados votou pela manutenção do modelo atual. Isso não se dá porque o modelo seja bom, mas, pelo contrário, por ser tão ruim que gerou uma relação de dependência. Os deputados que votaram para que empresas continuassem figurando como doadoras de campanha se preocuparam apenas com a continuidade de suas carreiras políticas. Não pensaram no País. A proibição das doações empresariais atende os interesses das próprias empresas. O empreendedorismo brasileiro está sofrendo com a captura do Estado por um grupo reduzido de corporações que cresceram à custa do dinheiro público. Isso não é financiamento empresarial de campanhas, mas simples tráfico de influência acobertado pela lei.

blogdobarbosa – Não  é uma incoerência políticos que defendem o financiamento de campanha, alguns deles até com processos no STF, pedir o impeachment da presidenta Dilma alegando a corrupção na Petrobras?

Marlon Reis – É impressionante o número de parlamentares que respondem a processos por crimes contra o patrimônio público. A divulgação de dados alarmantes a esse respeito ocorrida recentemente no site Congresso em Foco teve percussão internacional. Não é típico das grandes democracias ver pessoas com o histórico pessoal tão comprometido, sequer participando do Parlamento, muito menos opinando sobre questões de relevância nacional.

blogdobarbosa – A Polícia Federal acaba de pedir autorização ao Supremo, para ouvir o ex-presidente Lula sobre o petrolão. O Sr. acredita que Lula está envolvido nesse escândalo ou ao menos que sabia do que se passava nos bastidores do seu governo?

Marlon Reis – Não posso responder sobre questões alusivas a fatos concretos em virtude da minha condição de magistrado.

blogdobarbosa – Nestes tempos de petrolão,  muita gente andou se lembrando de Paulo Francis ( in memoriam ) e suas denúncias de roubalheira na Petrobras. A história  todo mundo conhece: em um Manhattan Connection, num longínquo 1996,  Paulo Francis detonou a Petrobras, então presidida por Joel Rennó – governos FHC -, e foi processado por isso. Atribui-se ao processo milionário impetrado em Nova York  por Rennó e alguns diretores da estatal o estresse que levou ao infarto de Francis no ano seguinte. No programa, Francis mandou ver. Disse que “os diretores da Petrobras põem dinheiro na Suíça”; que “roubam em subfaturamento e superfaturamento”; e finalizou: é “a maior quadrilha que já atuou no Brasil”. O Sr. concorda com o que disse Paulo Francis?

Marlon Reis – É lamentável o que vimos ocorrer com a Petrobras. Mas isso não discrepa do que acontece todos os dias, mesmo no menor dos municípios, a não ser pelo montante de dinheiro envolvido. O desvio de verbas públicas para a satisfação de vaidades pessoais ou para o abastecimento de campanhas constitui um dado da realidade política brasileira. Os culpados devem ser identificados e punidos, mas o fim desse estado de coisas demanda mudanças que passam por uma efetiva reforma política e por uma grande guinada na educação política do nosso povo.

blogdobarbosa – A corrupção está infiltrada tanto no Executivo como no Legislativo, e muitas vezes no Judiciário. O Sr é magistrado e sabe do que falo. No caso agora do petrolão as atenções estão mais voltadas para o impeachment da presidenta Dilma. Não seria o caso das pessoas irem as ruas pedir também a cassação de parlamentares corruptos que levantam a bandeira de paladinos da moralidade?

Marlon Reis – Todos devemos esperar a aplicação da lei de forma igualitária para todos, independentemente do partido a que estejam vinculados.

blogdobarbosa – No livro “Nobre Deputado”, de autoria do Sr, por exemplo, é falado das maracutaias das emendas na Câmara dos Deputados. Isso não precisaria ser mais difundido para a sociedade, já que se trata de uma forma de corrupção também com dinheiro público?

Marlon Reis – No meu livro tive a oportunidade de expor de forma clara o modo como a corrupção compromete, já desde o período eleitoral, os futuros mandatos parlamentares. Nunca disse que todos os parlamentares atuam daquele modo, mas é bem verdade que muitos dos que lá estão foram eleitos pela forma como descrevo em O Nobre Deputado. O livro nos convida a fazer algo. Não podemos ignorar as mazelas existentes no Congresso Nacional.

Foto reproduzida da internet

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