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por Stella Galvão
Cada novo dia somos convidados a abraçar a vida, as pessoas, a natureza e uma síntese qualquer que nos harmonize com nosso tempo possível de hospedagem no microscópico mundo que nos coube habitar. Tão árduo crer que o cotidiano possa transmutar-se em encantos mil quando as frustrações e decepções nos tomam de assalto. Quando uma simples ida ao supermercado transforma-se dia a dia em sobressaltos pelas remarcações que agora ocorrem longe dos nossos olhos. Ali pelos anos 1990, que reaparecem qual fantasma persistente, havia em todo mercadinho do país um funcionário carimbando um novo preço diante de nossos olhos pasmos, com a inflação que galopava naquela época e volta a nos assombrar novamente. Também houve uma época em que filhos e pais conviviam em clima de respeito, algum temor, em que não havia todo o tempo gente gritando histérica pelas casas, completamente ensandecida e fora de si.
Na escola e na universidade, igualmente, se reconhecia o patamar hierárquico – não, as relações não são igualitárias apenas por desejarmos que assim sejam. O professor estava ali com uma atribuição clara – dar aulas, fazer-se entender, estimular os alunos a situarem-se face ao conteúdo ali ministrado. O aluno tinha que ficar quietinho no seu canto, sem esboçar reação e apenas assentindo a cada frase do professor? Não! Mas, por mais que o aluno julgasse que o professor o descontentava em algum aspecto, isso não tornava o professor motivo de chacota, de desrespeito sistemático.
A casa, já dizia o antropólogo Roberto DaMatta, é o refúgio possível, aquele lugar para onde migramos para escapar da exposição diuturna, muitas vezes opressiva, do contato com os nossos assemelhados. “Na casa estão presentes as mais íntimas relações familiares. É dentro dela que está o verdadeiro “eu” de cada um.” DaMatta, que escreve sobre a casa e a rua, registra em que medida o palco externo à nossa intimidade é enxergado como “lugar de luta, batalha e perigo”. Onipresente nos tempos que se seguiram aos seus, no século V a.C., Aristóteles encarava a casa como o local onde nasce o sentimento de justiça e a primeira instituição – locus ou qualquer palavra que sugira estágio embrionário – de socialização.
Se a casa nos falta ou se abalamos a estrutura dessa instituição, resta-nos amargar seus efeitos na rua. Nas instituições destinadas à educação, etapa também decisiva e formadora, da socialização, os efeitos da mixórdia em que se transformou a casa saltam à vista. Jovens bugrinhos e bugrinhas vomitam diuturnamente sua prepotência, sua pretensa sapiência, sua intolerância e desrespeito. O queixume é generalizado da parte daqueles que ganham uns trocados na vã tarefa de falar a gerações obnubiladas por sua própria estreiteza mental. Há as exceções de praxe, é claro, para alegria geral.
A bugrada entorpecida especializa-se não na força da argumentação ou do questionamento que enseja o debate e amplia saberes de parte a parte. Não! O que se quer é a expressão da tola e fútil futrica. Inevitável não lembrar de um escrito notável de Diderot, o filósofo do iluminista século XVIII, quando ele reflete sobre nossa propensão de descrer do que conhecemos e cantar loas àquilo que nos enche os olhos, inscritos tropegamente “entre a vida frouxa, rastejante e a vida livre e rija do cínico esfarrapado!”
*Stella Galvão é Jornalista, escritora, doutoranda em Educação (UFRN), professora substituta na UFRN e efetiva na UnP e colaboradora do blog
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