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– Juvenal Ouriço olhou o cartaz da porta: “Escolinha A Toca da Raposa”. Entrou , sentou-se e alisando seus vastos bigodes ficou aguardando diminuir o movimento da secretaria. Quando a última mãe de aluno retirou-se, Juvenal levantou-se e dirigiu-se à secretária:
– Por obséquio, eu desejava fazer uma matrícula.
– Pois não – disse a moça, apanhando uma ficha de matrícula – como é o nome do seu filho?
– Não. Não é para o meu filho.
– Não? Pra quem é então? Seu sobrinho?
– Não senhora. É pra mim mesmo.
– O senhor? Mas aqui nós só temos maternal, jardim, alfabetização, essas coisas. É uma escolinha de primeiro grau.
– Eu sei – respondeu Juvenal muito sério – eu vim me matricular no jardim-de-infância.
– Meio assustada a moça perguntou se Juvenal tinha certificado de transferência de outra escola. Como Juvenal dissesse que sua última transferência em escola primária foi em 1948, a secretária afirmou que seria preciso fazer um teste “para saber em qual jardim colocá-lo”. Distraída, preenchendo a ficha indagou: “Tem mais de seis anos?”
– Seis anos o quê? – perguntou Juvenal. – De casado? De formado?
– A secretária apressou em dizer que a pergunta era mera formalidade porque “de acordo com a lei, se o senhor tiver mais de seis anos de idade já poderá ser alfabetizado”. Juvenal declarou que não estava interessado em ser alfabetizado. Ficou decidido então que iria para o terceiro grau do jardim-de-infância. A moça pediu-lhe os documentos: certidão de nascimento, atestado de vacina antivaríola, atestado audio-métrico e três retratos três por quatro.
– Retrato recente? – perguntou Juvenal – ou de quando eu tinha cinco anos?
A secretária informou o preço da anuidade, deu o modelo do uniforme e forneceu a relação do material escolar. Juvenal leu com atenção a longa lista e observou:
– Esse material aqui é até pro dia do vestibular?
– Não senhor. É só para esse ano. O senhor vai querer o ônibus?
– Não obrigado – respondeu Juvenal – eu tenho carro.
Juvenal saiu e enquanto se dirigia ao banco para levantar o empréstimo que lhe permitisse fazer as compras que a escola pedia, pensou que se John Kennedy fosse vivo certamente diria que “o preço da educação é o eterno endividamento”. Na papelaria, depois de brigar mais do que no dia em que foi atrás dos ingressos para o desfile das escolas de samba, Juvenal finalmente conseguiu comprar tudo. Já na casa de uniformes, Juvenal só teve dificuldades de arranjar uma calça curta e um avental para seu tamanho. Ao seu lado, uma senhora pedia o uniforme da escola Gruta do Leão.
– A senhora – perguntou o vendedor – quer completo?
– É sim – disse ela -, completo, com camisa, calça, gravata, meias e sapatos. Quanto é?
– Quatrocentos cruzeiros.
– Quatrocentos cruzeiros? – gritou ela, remexendo o dinheiro na bolsa. – Então me dá só as meias.
– Tudo um absurdo – exclamou ela -, o custo de vida está pela hora da morte.
– É verdade – completou Juvenal -, e o custo das aulas está pela hora do recreio.
– No encerramento do primeiro dia de aulas, Juvenal despediu-se dos coleguinhas e, quando ia saindo, tia Lúcia não conseguiu esconder a sua curiosidade e perguntou: “O que o senhor está fazendo aqui na escola? O senhor já não sabe de tudo isso?”
– Sei, mas meus filhos não sabem.
– E o senhor tem filhos?
– Tenho, cinco, pequenos.
– E por que não os coloca na escola?
– Porque eu teria que abrir falência. Achei que seria melhor assim: ao invés de mandá-los, eu venho e à noite quando chego em casa eu conto pra eles tudo o que aprendi.
– E dá resultado?
– Pode não dar. Mas sai muito mais barato.
Obs: Nesses primeiros dias de janeiro, e com um verão em que a preguiça bate, e só dá vontade de ir à praia e ler um pouco, aproveitei para rever algumas crônicas que tenho guardado nos meus alfarrapos e encontrei essa obra prima de Carlos Eduardo Novaes. O texto foi escrito há alguns anos. Na época a nossa moeda ainda era o cruzeiro, mas o tema continua bem atual, que é o custo da educação em nosso país.
Carlos Eduardo Novaes se superou nessa crônica