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por Stella Galvão
Se há um traço característico na classe média brasileira que viaja ao exterior é encantar-se com os sinais da civilização. Os edifícios seculares, admirados com encantamento infantil, aqueles que trazem a marca da história, a mesma que costumamos enxotar para ceder lugar a feios e anódinos espigões. Os modos de tratamento, os indícios de educação no trato.
Estes dias acompanhava uma familiar a um médico celebrado na capital potiguar quando atentei para uma foto reproduzindo a torre Eiffel, monumento-marco da modernidade, da industrialização, da ideia de progresso, ainda que para alguns seja só um monte de ferro disforme, uma coisa inútil e monstruosa, como a definiu um dos intelectuais franceses que soma mais estrelinhas no mundo da distinção acadêmica, Roland Barthes.
Mas, como dizia, o médico acompanhou meu olhar e animou-se a contar sua experiência na capital francesa. Que ia com mulher e sogros pelas ruas tagarelando em alto e bom som, para espanto dos geralmente discretos franceses. Que tornou-se motivo de atração em um restaurante ao esbravejar chamando o garçom e gargalhar entre uma colherada na Soup d’oignon que havia pedido e outra no Foie gras pedido por um dos acompanhantes.
O médico em questão está dividido. Ruidoso adepto do deputado crônico que faz as vezes de presidente, não se conforma com o que anda lendo nas redes sociais. Que um ex-presidente, levado em cana por artes de um juiz que agora cobra fatura nas próximas eleições, é recebido por autoridades francesas com toda sorte de salamaleques e mesuras e trato fino.
Leu, não sem antes pigarrear, que Lula almoçou nesta terça-feira com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo (foto). Segundo o jornalista gaúcho Moisés Mendes, degustaram camarão à provençal com sálvia e alecrim. Ervas levadas na maleta despachada em SP pelo ex-presidente. Tudo regado a licor Chartreuse. Na véspera, Lula encerrou sua fala ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, debaixo de aplausos.
O que incomodou sobremaneira o médico é que aquele que ele chama de mito, ser mítico, ´galado´ do talkey, em contrapartida, ocupava seu tempo destrinchando carne em restaurantes de Dubai, nos Emirados Árabes. Foi com uma gorda comitiva de ministros para um evento de zero importância na geopolítica mundial. Forum Invest in Brazil, organizado por uma certa Agência Brasileira de Promoção de Investimentos. Um presidente deslocar-se para um evento dessa ‘magnitude’? E torrando a moeda em diárias milionárias e suculentas churrascadas?
O doutor engoliu em seco ao saber que aquele homem impoluto, temente a Deus, às rachadinhas e aos orçamentos secretos, mentiu ao dizer que a Amazônia, “por ser uma floresta úmida, não pega fogo.” O governo dele, como apoia o médico, está a serviço da livre iniciativa de madeireiros, do agronegócio e do garimpo com licença para invadir, queimar, desmatar. Aquele monte de mato tem que ser produtivo, grita o doutor inquieto. No íntimo, ele sente uma pontinha de inveja desses esquerdistas vermelhos desfrutando dos salões europeus civilizados.
*Stella Galvão é jornalista e colaboradora do blog, Doutora em Educação pela UFRN e autora de ‘Calos e Afetos’ e ‘Entreatos’. e-mail: stellag@uol.com.br
Foto reprodução das redes sociais
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