Entrevista

A cabeça do eleitor mudou. A do político não acompanhou essa mudança, diz o marqueteito João Maria Medeiros

por Stella Galvão, colaboradora do blogdobarbosa

Experiência com política faz parte da rotina do jornalista político e marqueteiro João Maria Medeiros há pelo menos duas décadas. Ajudou a eleger, entre outros, Blairo Maggi (MT) e Robinson Faria (RN). Este ano, atuou em São Tomé e Príncipe (África) no braço internacional do seu trabalho com marketing político, para as eleições legislativas de setembro próximo. Nesta entrevista, detalha a percepção que vem reunindo sobre as práticas políticas durante as campanhas eleitorais e as mudanças substanciais do eleitorado, cada vez mais pragmático e racional na hora de escolher seus candidatos. E, claro, arrisca palpites para a Presidência e o Governo do RN em outubro próximo. Se erros qualitativos de comunicação não forem cometidos durante as campanhas no rádio e TV, João Maria aposta em Lula e Fátima Bezerra eleito e reeleita no 1º turno.

1-blogdobarbosa – As campanhas eleitorais, no cenário atual de grande relevância das redes sociais, têm mudado para responder a esta emergência de visibilidade?

João Maria Medeiros – É indiscutível que as redes sociais trouxeram um novo modelo de comportamento das pessoas e isso tem influenciado, mas sob o aspecto do resultado eleitoral, de definição de votos, a grande força ainda reside no rádio e na televisão. As próprias pesquisas eleitorais mostram isso. E o impacto maior, nesta eleição, ainda será do horário eleitoral gratuito. Ali há uma exposição maior, se pode confrontar propostas. As redes sociais, e a campanha de 2018 mostrou isso de maneira inequívoca, confundiu mais que esclareceu o eleitor sobre suas opções de voto. É um universo que se abre para notícias falsas e destruição de reputações.

2-blogdobarbosa – Foi o que ocorreu em 2018, com farto uso destes recursos e vitória da extrema direita na campanha presidencial. Você acredita que o leitor está mais atento agora?

João Maria Medeiros – Sem dúvida. Apesar do que ocorreu em 2018, é preciso lembrar que campanhas ancoradas em redes sociais esbarram em uma parcela elevada de brasileiros que não tem acesso regular à internet. A bolha da internet resulta na influência de alguns formadores de opinião que impactam na circunvizinhança. A eleição de 2018 é um ponto fora da curva e não foi definida  apenas pelas redes sociais. Bolsonaro soube aproveitar o desencanto dos eleitores naquele momento e também foi bastante fortalecido pela facada – a história das eleições no Brasil mostram que qualquer dano sofrido por candidatos impactam nos resultados eleitorais.

3-blogdobarbosa – Falando em sucessão presidencial, você acredita que há chances de definição ainda no 1º turno?

João Maria Medeiros – Sim, considero reais as chances de definição pró-Lula no 1º turno se Bolsonaro não conseguir tirar votos do adversário. Se isso ocorrer nos próximos 60 dias, tempo válido para a propaganda eleitoral, haverá 2º turno. Do contrário, e as pesquisas demonstram isso de maneira muito clara, Lula poderá sair vitorioso na primeira rodada eleitoral.

4-blogdobarbosa -No embate entre tradição e modernidade na política brasileira, os caciques políticos ainda dão as cartas no jogo eleitoral?

João Maria Medeiros – Completamente, e a prova disso é o Centrão [coalização de partidos de centro e centro-direita], que dá sustentação política ao atual governo. Quem administra o Brasil hoje é o Arthur Lira (PP), o orçamento secreto, essa coisa toda. São as velhas raposas dominando o ambiente político brasileiro. É fato que a força política brasileira ainda é estruturada em feudos, sejam grupos familiares, econômicos, políticos. E Bolsonaro, que foi eleito como outsider, se amparou nesta velha estrutura. Mas esta eleição será diferente porque o teste do eleitor não costuma se repetir.

5-blogdobarbosa – Falando agora da eleição estadual, você previu em abril/22 que a governadora Fátima Bezerra enfrentaria problemas para a reeleição decorrentes de erros políticos estratégicos. Mudou a previsão?

João Maria Medeiros – A verdade é que o governo Fátima é um bom governo sem uma grande obra mas com várias obras pontuais. O problema é que isso foi muito mal comunicado à população. Um governante precisa falar com o professor universitário da capital ou de Mossoró, mas também tem que falar com o ‘seu’ Zezinho da zona rural de Luís Gomes, por exemplo. E isso faltou ao governo atual. Mas Fátima tem condições de ganhar a eleição no 1º turno graças principalmente aos bons resultados de sua gestão. Ela conseguiu resolver problemas graves como a questão da Segurança e do pagamento dos salários dos servidores, que foi regularizado. 

6-blogdobarbosa – E as chances da oposição nesta eleição?

João Maria Medeiros – Lamentavelmente para o jogo democrático, o que se observa é que no Rio Grande do Norte praticamente não há oposição desde o primeiro governo Rosalba Ciarlini. Styvenson Valentim, eleito para o Senado como fenômeno, e Fabio Dantas com seu grupo, não conseguem crescer substancialmente porque deixaram para sair candidatos muito em cima da hora. Isso é um erro muito comum no Brasil inteiro. Muitos políticos deixam tudo para a última hora acreditando que tudo se decidirá em menos de três meses de campanha. Então não vejo chances de algum deles derrotar Fátima Bezerra, seja pela boa gestão e também pela força pessoal da governadora.

7-blogdobarbosa -Como avalia a composição da chapa com Fátima e Walter Alves (MDB) como vice?

João Maria Medeiros – Muito bom. Ninguém se elege sozinho. No Rio Grande do Norte, especialmente, as forças políticas são muito esparsas. Então, considero que foi uma grande jogada da governadora. O MDB é um partido muito sólido. Entre os velhos políticos, Garibaldi Alves ainda se mantém muito lembrado pela população. Seja como gestor no governo do RN, quando realizou várias obras estruturantes, seja como presidente do Congresso, ou como parlamentar. É uma chapa muito forte e desse modo Fátima isolou, inteligentemente, partidos que poderiam compor com o MDB, que ainda é uma grande força política no Estado.

8-blogdobarbosa -Qual mudança fundamental você observou na relação entre os políticos e o eleitorado nos últimos anos?

João Maria Medeiros – Nestes anos todos em que atuo com política, tenho observado que a cabeça do eleitor vem evoluindo numa velocidade muito grande. Em contrapartida, a cabeça do político se mantém praticamente inalterada. E falo isso tendo em vista um cenário muito amplo, geograficamente falando e também no espectro político, seja de esquerda, direita ou centro. Mesmo entre os extremistas de direita a prática política é a mesma. Ainda há a compra de votos, apesar do combate permanente da justiça eleitoral, mas também há um eleitor atento para perceber o hiato entre promessa e realização. Ele pensa: o presidente prometeu gasolina barata e grande oferta de emprego no seu governo, e isso não ocorreu. O eleitor é cada vez mais pragmático ao mensurar o que o favorece, a ele e ao seu entorno. Ele é cada vez mais razão que emoção.

Foto: Stella Galvão

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