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por Stella Galvão
Amandita não era exatamente uma amante da labuta diária. Acordar cedo todo santo dia, ventasse ou fizesse sol forte, jamais seduzira essa amiga de uma doce vida. Ócio, essa palavra que assusta legiões de desempregados e aposentados, ocupava todos os departamentos mentais dessa criatura.
Não que fosse uma completa tonta, dessas abiloladas para as quais o correr dos dias presta-se apenas a aguardar o próximo capítulo de novela ou da cena picante-previsível de um reality show. Não poderia nem mesmo ser classificada de burrinha porque o caso era mesmo de gosto pela vagabundagem.
Assim Amandita chegou à 3ª década de vida. Tinha vários cursos universitários não concluídos no currículo e um segundo grau obtido a fórceps, entre um afago e outro nos professores. Não poupava em presentinhos, elogios e baboseiras para agradar.
Mas o caso é que o tempo passou na janela e Amandita não viu, mas passou. Teve meia dúzia de interessados em dividir um teto com ela, mas todos fugiram em desabalada carreira depois de flagrar o gosto da moça pelo nada fazer. Acordar cedo pra fazer café para o senhorzinho marido? Jamais, ela bradava. Pular da cama na madruga pra embalar curumim? Nem morta, filho!
Os pais, frustrados com o alheamento da filha, sugeriam que ela ao menos desse cabo da própria roupa íntima no tanque, mas que nada. A moçoila apenas dava de ombros e se jogava no sofá, ocupada em contemplar as postagens alheias nas redes sociais.
A vida só não era totalmente vazia do que fazer porque Amandita tinha descoberto uma verdadeira mina gastronômica. Fez-se amiga de meia dúzia de marmanjos que circulavam em gabinetes com pinta de assessores ou consultores políticos. A moeda de troca da inserção em certo circuito era um free lancer em alcovas de beira de estrada. Desse modo, ganhou na loteria de acepipes.
Semana sim, semana não, às vezes até dia sim, dia não, ela era vista nos alpendres do jet, como se dizia naquela localidade. Via os modelos das ‘jetianas’ e copiava na reunião seguinte, com outra padronagem, é claro. Se uma pantalona mais vistosa sobressaia em Tabatinga, na semana seguinte lá estava ela com um clone em Pirambúzios.
Fato é que nos alpendres frequentados pela mocinha à toa, a falta do que fazer era o padrão. Empregados iam e vinham com doses de uísque, cervejas de boa cepa e bons espumantes, além da série avantajada de petiscos que alegravam os senhores do feudo potiguar.
Estavam lá autoridades tão bem constituídas que sobravam nas cadeiras de vasta envergadura. Cenas inesquecíveis eram protagonizadas por desafetos políticos em animados colóquios pelos alpendres largos e cercados por árvores frondosas que assistiam, mudas, à confecção de acordos políticos que fariam tremer um sertanejo desses ciosos da própria hombridade.
Amandita estava se lixando com os rumos da política local e planetária, interessada em assegurar seu lugar à mesa, entre o grupo que gracejava entre uma asneira e outra, e as lulus empenhadas em exibirem modelitos e corpinhos recém lapidados.
Era uma grande confraternização de tampas de crush, essa expressão ridícula que causava espasmos até mesmo na sonsa Amandita . Enfim, gente da melhor estirpe e procedência, ao menos na avaliação dos comensais e dos cronistas e colunistas de meia pataca que por ali rondavam, como urubus em área recém dizimada de vida.
Assim seguia, solerte, uma das beneficiárias de toda aquela boca livre. O melhor, além de comes e bebes irretocáveis, era saber que jaziam do lado de fora essa história chata de crise e os problemas comezinhos da cidade. Ah, a doce vida de apenas festejar de um alpendre a outro!
* Stella Galvão é jornalista e colaboradora do blog, professora da Escola de Comunicação e Artes da UnP, mestre pela PUC-SP e autora de ‘Calos e Afetos’ e ‘Entreatos’. Endereço no facebook https://www.facebook.com/stella.galva, e-mail: stellag@uol.com.br
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