Baú de Estrela

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Stella12131Paulo Coelho e o oráculo

por Stella Galvão

Uma entrevista publicada na edição desta semana da revista Época consagra o escritor Paulo Coelho como oráculo da cena brasileira. Notório vendedor de livros, Coelho os produz em escala industrial, colecionando quase vinte títulos traduzidos em dezenas de idiomas. É, de longe, o escritor mais bem sucedido do país em vendagem de livros. Vive em Genebra, capital suíça. Na entrevista, ele previu que haverá muitas manifestações em torno das arenas futebolísticas, um cenário nunca cogitado por nenhuma ‘madame Natasha’, especialmente considerando o que ocorreu durante a Copa das Confederações.

“Disse à época que o Brasil ia ganhar a Copa das Confederações e ganhou. Eu previ Brasil e França – o L’Express [jornal francês] cravou na capa e eu acertei. Agora não sei. Certamente o Brasil irá à final com a Alemanha ou a Espanha, duas seleções fortíssimas nesta Copa.” E aí lê-se a frase oracular: “O Brasil tem chances de não ganhar”. Seria preciso ser um mago ou um alquimista para decretar semelhante sentença?

Vejamos algumas frases dos maiores sucessos de venda de Paulo Coelho, O Alquimista e O Diário de um Mago, para obter alguma pista da possibilidade da condição oracular do escritor se traduzir em algo mais que não um sofisma especulativo: “O entusiasmo se manifesta normalmente com todo o seu poder nos primeiros anos de nossas vidas”; “O barco está mais seguro quando está no porto; mas não foi para isto que foram construídos os barcos”, “As pessoas sempre chegam na hora exata nos lugares onde estão sendo esperadas”. Mas, e o trânsito?

Não é tanto o raciocínio sofismático de Coelho que espanta. No texto que abre a entrevista, o jornalista que o ouviu em Genebra mostra que o mago que habita no escritor tem o dom da onipresença. Escreve que Coelho o atendeu enquanto realizava “várias tarefas simultaneamente”, a saber: computador, arco e flecha e orações. Ou muito me engano ou não seria possível orar e acionar o arco para disparar o petardo pontudo. Ou fazê-lo enquanto se comunica com os 28 milhões de seguidores do escritor nas redes sociais.

O novo livro, conforme o próprio Coelho, poderia vir com um agradecimento sonoro aos co-autores anônimos das redes sociais. Estará nas livrarias neste mês de abril sob o título ‘Adultério’. Evidentemente fala de pulada de cerca ou do desejo de. A trama surgiu de uma reflexão sobre as razões da depressão. “Resolvi perguntar nas redes sociais o que as pessoas achavam sobre isso. De mais de mil respostas, 90% disseram que a depressão estava ligada à infidelidade ou a uma decepção amorosa.” Bingo, sinal aberto para um campeão de vendas. “Percebi que aquilo merecia mais do que um post de blog”, disse Coelho à revista.

Depois da pergunta sobre depressão que gerou as respostas sobre infelicidade no plano afetivo, começou a colher histórias de relacionamentos com este ingrediente. Ele diz: “Fui afunilando até chegar ao depoimento de quatro pessoas. Usei coisas centrais do tema do adultério. Mas não é uma história de uma pessoa só, embora tenha focado muito numa pessoa desses fóruns.”

Paulo Coelho não poderá ser visto nos estádios em que o time brasileiro se digladiará com os oponentes. Ele conta, nesta entrevista em que o autor diz ser provavelmente a mais longa, e “talvez uma das mais densas”, que tocou no tema da permissão de residência em solo suíço, anos atrás, enquanto “fazia xixi” ao lado de Adolf Ogi, presidente do país. O visto teria saído por pressão da secretária do presidente, leitora de Coelho.

O escritor se diz apartado do Brasil, embora não negue a condição de brasileiro – como se pudesse, uma vez nascido aqui –, por ter se decepcionado com o governo. Na condição de oráculo, arrisca que “vai ser difícil a Dilma não ganhar. Até porque o PT, depois de reformas estruturais, começou a derrapar para o clientelismo.” Ele segue espinafrando o partido pelo qual já fez campanha, segundo nos informa o jornalista que o entrevistou.

Outro aspecto que salta à vista ao longo da entrevista é a falta de pejo de Coelho em assumir uma boa dose de egocentrismo. Diz ele: “Hoje sozinho tenho mais seguidores do que o número total de leitores dos dez jornais de maior circulação no mundo. No Facebook, agora, estou abaixo de Shakira e do Facebook na lista que calcula a frequência de páginas que estão falando.” Abaixo de Shakira!

E mais, somos informados sobre os resultados de uma pesquisa recentemente realizada pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology, sobre as maiores celebridades do mundo. “No Brasil, eu sou o quarto mais famoso. Pelé é o primeiro e eu sou o quarto. O Lula é o décimo”, esnoba Coelho, sem nenhuma alquimia. Pergunta: A sua obra mudou o mundo ao longo dos últimos 30 anos? Resposta: – Não acho que nenhuma obra muda o mundo. Mas eu acho que minha obra teve uma boa influência. Se ela tivesse mudado o mundo, eu não estaria um pouco decepcionado. Mas você vê o Obama e os grandes cantores de rock me citarem. Glória!

Conta também que, morando em um apartamento de cinco cômodos em Genebra, recebeu uma jornalista da Suécia para uma entrevista. Ficou estupefato com o relato dela, no Twitter, sobre o fato de o escritor de best sellers morar em uma “cabana”. A reação não tardou. O ex-parceiro de Raul Seixas comenta, perplexo, que se tratava de uma “cabana” encravada na cidade com o metro quadrado mais caro do mundo. “Eu entendi aquilo como um sinal de que eu devia mudar. Resolvi comprar outro apartamento.”

Moral da história: nem sempre os sinais vêm dos astros ou da imersão em um estado anímico, mas da conta bancária e da imagem pública a zelar. Simples assim. “As coisas simples são as mais extraordinárias, e só os sábios conseguem vê-las” (O Alquimista, pág. 38).

* Stella Galvão é jornalista e colaboradora do blog, professora da Escola de Comunicação e Artes da UnP, mestre pela PUC-SP e autora de ‘Calos e Afetos’ e ‘Entreatos’. Endereço no twitter @stellag19, e-mail: stellag@uol.com.br

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