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Presidindo gôndolas uruguaias
Por Stella Galvão
Era um dia como outro qualquer nas imediações do supermercado Devoto, bairro de classe média abonada em Montevideo. De repente, algo de inusitado movimentou a pasmaceira do ir e vir de carrinhos e cestas. Ali estava, em carne e menor índice de gordura corpórea, Dilma Rousseff. Fosse Vásquez, o recém-empossado titular uruguaio no lugar de José Mujica, o presidente do fusca azul, que adentrasse o supermercado da rede Extra no Brasil, passaria incólume.
Sozinha, sem segurança nem assessor, a presidente brasileira comprou três potes de doces de leite, um requeijão, um queijo cremoso e uma garrafa de vinho da uva Tannat, segundo relato do jornal espanhol El Pais replicado por veículos brasileiros. O Globo fez questão de frisar que a lista de compraria incluía “produtos que contrariam sua dieta para emagrecer”. Detalhe a ser ressaltado por seu elevado impacto informativo.
Soube-se da aventura varejista de Dilma por obra das redes sociais. Um jornalista do jornal espanhol a viu posando com funcionários e outros clientes. Soube-se também outras informações de grande relevância para as negociações bilaterais entre os dois governos: que a rede de supermercados visitada é uma das mais importantes do país e que a loja na qual Dilma circulou está perto do hotel Sofitel, onde a presidente e sua comitiva ficaram hospedados durante a estada em solo uruguaio.
‘A presidente resolveu fazer mais de suas escapadas neste sábado (28) durante passagem pelo Uruguai’, anunciou com estardalhaço o portal UOL. A notícia contou com link para o informe veiculado pela sucursal uruguaia do El País, erroneamente identificado como jornal uruguaio pelo redator da notícia. Lá, lê-se que “según pudo saber El País, Rousseff aceptó gustosa posar para los curiosos e incluso los animó a subirlas a las redes sociales”. No idioma do escritor e jornalista Garcia Márquez, gustosa quer dizer ‘com gosto’.
Sim, Dilma teria sugerido que compartilhassem as fotos nas redes sociais. Não tardaram os comentários. No site uruguaio: “esta mujer no es la que presume ser. Estuve cerca de ella, aqui y en brasil, y es mucho mas gorda.” No site brasileiro: “Até ela concorda que por aqui as “coisas” estão muito caras, por isso preferiu fazer compras no Uruguai!” Houve mesmo quem manifestasse empatia pela decisão da presidente ir às compras num entreposto de varejo, em outro país, aproveitando uma brecha sem compromisso oficial e sem jornalistas no encalço.
Talvez Dilma, como todo mundo em solo estrangeiro, resolveu conferir coisas como o doce de leite uruguaio cantado em verso e prosa. Ou simplesmente tenha experimentado uma fuga daquilo que a psicanalista austríaca Melanie Klein chama de sentimento de solidão, ainda mais potencializado no exercício do poder: “Por sentimento de solidão não estou me referindo à situação objetiva de ser privado da companhia externa. Estou me referindo ao sentimento de solidão interior – o sentimento de estar sozinho independentemente das circunstâncias externas; de sentir-se só mesmo quando entre amigos ou recebendo amor”. Naquele supermercado de bairro em Montevidéu, as fotos comprovam, Dilma foi paparicada, como se leu em várias posts no Twitter:. #Dilma haciendo compras el devoto de malvin!! solo en URUGUAY!!
* Stella Galvão é jornalista e colaboradora do blog, professora da Escola de Comunicação e Artes da UnP, mestre pela PUC-SP e autora de ‘Calos e Afetos’ e ‘Entreatos’. Endereço no facebook: stella.galva e-mail: stellag@uol.com.br
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