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por Stella Galvão
Michelinha era moça bonita que, avessa a estudos e formas mais árduas de conquistar independência financeira, terminou prestando serviços burocráticos no gabinete de um deputado do chamado baixo clero do Congresso. Aquele pessoal que chega a Brasília unicamente para surfar na onda das emendas, dos lobbies e propinas. Fazem barulho, por vezes, mas um ruído desprovido de qualquer ética e atravessado pela indigência semântica e vocabular. Um dia o chefe da mocinha é visitado pelo rei do baixo clero, um sujeito de alcunha messias das profundas, conhecido por vociferar barbaridades contra qualquer projeto de tema progressista, de celebrar a ditadura militar que matou e torturou brasileiros e de usar um apartamento funcional, sem custos, para “comer gente”, em suas trôpegas palavras.
Casaram-se. Ela gerou uma menina, depois anunciada aos quatro cantos pelo tal messias como “fraquejada”, ele que havia sido pai de quatro brucutus. O país estava imerso nas trevas e nada mais coerente que assistir, parte boquiaberta, parte entusiasmada, à ascensão de semelhante despautério ao posto executivo máximo. Esconder a montanha de mortes pela Covid19, pregar contra a vacina e adiar ao máximo os acordos de importações foram fichinhas perto do conjunto da “obra”. Foram quatro sofridos anos de presidência marcados pelo recuo de todas as ações progressistas e o avanço de pautas obscurantistas. Quatro anos posando de vítima das instituições democráticas, para gáudio dos seguidores entorpecidos.
Ao final, messias teve seus planos de novo mandato frustrados. Perdeu para um ex-presidente que havia ido ao xilindró para não frustrar a entrada em cena dos radicais de direita. E não é que os ministros togados declararam messias inelegível por oito anos? Ele estrebuchou a céu aberto, pediu dinheiro aos tolos que o seguem como ao bezerro de ouro dos tempos de Moisés e botou água no mungunzá de Michelinha. Defenestrado o marido, ela surgiu como opção natural para a turma da direita histérica, defensora de armas, truculência e menos educação e cultura. Corria o dia 29 de julho deste ano quando um evento da seção Mulher do Partido Liberal convocou senhoras para ouvirem a senhora messias.
O marido já havia alertado: que não toleraria a candidatura da esposa, durante todo o seu mandato exposta como um bibelô, obrigada a repetir aos brados que o tal sujeito era “imbroxável”. E ela seria louca de dizer verdades neste departamento? Para um chefe miliciano? Ser uma primeira dama bonitinha e nada mais resultou nos cheques que recebia aqui e acolá e uma série de outros presentinhos. Lastimava as joias das Arábias retidas pela Alfândega. Bem, mas é fato que no citado dia Micheque reinava entre o mulherio, até que o marido chegou chamando para si todos os holofotes. Assim do nada, deslocando todas as atenções. Chegou ao recinto sem dizer palavra a sua senhora, só acenos e as frases habituais berradas aos presentes. Partiu também ignorando sua cara metade. O cotovelo gritando de dor. Terá ela cara dura para afrontar as pretensões frustradas de messias?
*Stella Galvão é jornalista, cronista e colaboradora do blogdobarbosa
Ilustração: Picasso, Retrato de Mulher
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