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O Blog transcreve uma entrevista do jornalista Octavio Guedes, comentarista de política da GloboNews, com Felipe Soutello, estrategista de comunicação e especialista em campanhas políticas, para entender as diferenças na comunicação do presidente ucraniano e do presidente russo.
De um lado, um líder com olheiras, ar cansado, barba por fazer, roupa amassada, dessas que a gente usa no fim de semana em casa, e um celular na mão. Do outro, um líder sisudo, com olhar glacial de estátua, de terno e gravata, rodeado de telefones fixos, daqueles que as teclas piscam quando recebe uma chamada. Um faz live informal. O outro, transmissão oficial formal.
Zelensky e Putin estão em campos opostos também na guerra da comunicação e dos símbolos. Aos olhos ocidentais, a visão é simplista: Putin é Pravda, Zelensky é Instagram. Segue a entrevista:
Qual político está vencendo a guerra da comunicação até agora? Putin ou Zelensky?
Soutello – Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a questão da imagem de um homem público tem múltiplos ângulos e percepções. Para ficar em apenas dois aspectos, vamos examinar pela questão interna e externa, ou seja, percepção de imagem dentro da própria Rússia e da Ucrânia e a percepção no resto do mundo. E algumas percepções sobre questões estéticas, tão fundamentais para a construção de imagem.
Em segundo lugar, é importante relativizar nossa visão pois sempre estamos observando a imagem dos líderes dos dois países com algum viés, ou seja, com referências estéticas a partir da nossa própria bagagem cultural.
E qual seria a nossa a visão?
Soutello – Nossa visão é absolutamente ocidental, o que traz algumas incompreensões sobre a cultura oriental e do leste europeu. Apesar de vivermos em um mundo cada vez mais próximo e globalizado, com valores relativamente homogêneos, há uma cultura completamente distinta da nossa que bloqueia de alguma maneira nossa compreensão integral dos fenômenos de comunicação e construção de imagem dos líderes dos dois países.
Vamos começar pelo público interno…
Soutello – Do ponto de vista interno, parece que os dois líderes podem colher frutos desse processo. Há um histórico de crescimento de popularidade de Putin associado a conflitos militares. Isso aconteceu, segundo fontes internacionais, na invasão da Crimeia, em 2014, por exemplo. É bem verdade, que a situação agora é diferente devido as fortes sanções econômicas europeias e americanas que, coordenadas, podem ter um impacto importante na economia russa.
Mas o fato é que Putin tem indicadores pregressos de altíssima popularidade com índices próximos a 70% de aprovação da população e há uma má vontade majoritária na sociedade russa contra a Ucrânia, na casa dos 52%. Não é uma maioria confortável, sobretudo se as sanções pesarem no bolso e imprimirem restrições no cotidiano dos russos.
E para o público externo?
Soutello – Do ponto de vista internacional, é inquestionável que a imagem de Putin é muito mais negativa do que positiva. Ele incorporou o papel de agressor. Claramente, sobretudo o Ocidente, o caracteriza como o “mal”. Em um mundo tão interdependente, apesar de toda censura e controle de força sobre a imprensa e as comunicações internas exercidas pelo governo de Putin, tendem a influenciar também o público interno. Importante observar as próximas pesquisas de opinião para verificar se o resultado será favorável à sua imagem internamente.
Por falar em imagem, Putin parece um líder congelado no tempo…
Soutello – Em relação ao aspecto estético, causa-nos muita estranheza os símbolos de poder utilizados por Putin. As mesas enormes de reunião, os depoimentos em mesas cheias de telefones “oitentistas”, as fotos sem camisa, enfrentando ursos e em poses heroicas. Difícil para nós compreender a semiótica por trás dessas imagens, vez que o passado do regime de czares e líderes implacáveis e fortes do período comunista são algo que não faz parte do nosso imaginário. Soa um tanto quanto antiquado e analógico.
Dentro na minha visão ocidental, parece que Putin é Pravda e Zelensky é Instagram. Podemos fazer esta comparação?
O Presidente Zelensky tem uma estética contemporânea e digital. Está quilômetros à frente na questão do uso de redes sociais. Isso conta muito, pois a guerra é acompanhada online e offline, como nenhum outro confronto jamais foi observado. É uma guerra na Europa, há enormes interesses envolvidos, as vítimas são na sua imensa maioria branca, o risco nuclear é real. Isso, sem dúvida alguma, causa maior repercussão do conflito.
Zelensky tem clara noção da importância da imagem, tem presença cênica e sabe o valor do exemplo. Atuar é sua vida e ele tem o tempo do vídeo e da interpretação. Sua eleição é um a espécie de Big Brother eleitoral. Há certa névoa sobre se a população elegeu Zelensky, ou o personagem da série de TV de sucesso que ele interpretou. Zelensky ganhou duas eleições: na TV e na vida real. Isso se mistura na cabeça dos cidadãos. Mas o figurino do líder nacional parece estar aflorando e se consolidando, o que era inesperado para muitos.
Zelensky conseguiu despertar mais simpatia pela Ucrânia?
Soutello – É preciso lembrar que há uma tendência natural a nos solidarizarmos com os mais fracos, sobretudo quando não temos uma relação direta com o conflito. É como assistir um Flamengo e Bangu. Se não torcemos para o Flamengo, como é meu caso, nossa tendência é torcer pelo Bangu. A Ucrânia é vítima dessa guerra, é a agredida, e nossos corações tendem a torcer por ela. Nesse sentido, o presidente Zelensky está conseguindo essa solidariedade internacional, sem vitimização excessiva, e, ao que parece, tem dado demonstrações de mobilização e despertar do orgulho ucraniano.
A gente percebe diferença até no figurino. Isso tem impacto?
As questões de forma chamam a atenção. Sempre nos vídeos e nas aparições de Zelensky e dos representantes da Ucrânia, inclusive os negociadores com a Rússia, estão sempre vestidos com roupas normais, populares, passando a impressão de que são pessoas comuns imbuídas de uma função pública e próximas das pessoas. O que, no Brasil, classificamos, ou melhor, usamos a expressão: gente como a gente. Já Putin sempre está de terno, em situações imponentes, passando a lógica de autoridade. Em resumo, um líder próximo e acessível versus um líder imponente e vestal. Em um mundo de comunicação mais horizontal do que vertical, impulsionado pelas redes sociais e a internet, Zelensky está em vantagem.
O que, na sua visão, Putin precisaria mudar na sua estratégia de comunicação?
É preciso observar os desdobramentos. Se a população russa mantiver a popularidade de Putin em níveis elevados é difícil imaginar grande alteração de percurso. Em última instância, os políticos são mobilizados pela opinião pública e tem enorme capacidade de adaptação de discursos e narrativas. Na perspectiva ocidental, o desafio de Putin é criar uma narrativa que faça sentido e justifique a invasão e as agressões pois não há uma razão clara percebível para a guerra.
Se mostrar um líder mais aberto a negociação e generoso, até pela superioridade evidente em termos militares, e encontrar uma solução negociada será a única forma de inverter o desgaste de imagem do líder russo. Há um medo do mundo da guerra e Putin é o lobo mau. Difícil reverter essa percepção. Romper seu isolamento também parece ser uma alternativa, para tentar mostrar que há capacidade de diálogo sob a sua liderança. Caso contrário, a imagem de um homem cruel e insensível vai prevalecer.
E Zelensky?
Soutello – Para Zelensky fica a perspectiva de sustentar a narrativa e a estética até aqui utilizada e converter a imagem que ele está construindo em resultados práticos. Caso contrário, haverá uma certa desconexão cognitiva na população. A imagem de um homem público deve sempre refletir a realidade percebida para não haver um afastamento da imagem projetada dos resultados na vida concreta das pessoas. O crescimento de imagem em curso pode se reverter caso isso aconteça. O balanço entre a imagem interna, de mobilização do espírito nacional e de expressão de coragem do povo ucraniano, com a imagem externa, de simplicidade e vitimização equilibrada será o segredo de sucesso para Zelensky.
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