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Copa e a velha máxima do francês
por Stella Galvão
São dois episódios jornalísticos de vulto que chafurda a imagem já causticada do país de chuteiras, a pouco menos de 100 dias para a largada oficial da Copa do Mundo de Futebol em solo brasileiro e, por consequência, no potiguar Arena das Dunas. Na última semana, deu muito o que falar a capa de uma revista francesa do mundo da bola, chamada France Football. Pois bem, a revista surpreendeu os leitores com uma capa preta e o anúncio de que a edição estava de luto.
O luto antecipado era pela realização da Copa no Brasil. Na capa toda negra, se lê “Peur sur le Mondial”, algo como: “O mundial do medo”. No lugar da letra O da palavra “mondial”, está a bandeira do Brasil, e onde deveria estar escrito “Ordem e Progresso”, foi colocada uma tarja negra. Após o título, o texto introdutório: “O Brasil está longe de ser aquele paraíso imaginado pela FIFA para organizar uma Copa do Mundo. A menos de 5 meses do mundial, o Brasil virou uma terrível fonte de angústia.
Falta de respeito, agressão à soberania nacional, síndrome de colonizador? Horas e horas de debate não encerrariam a questão. Desde pricas eras, somos sinônimo de povo desordeiro, inculto, dado a esbórnia e à falta de compromisso. Etnocentrismo cultural europeu coisa nenhuma. Nós, também, assim nos enxergamos, como resumiu o internauta Marcos Gomes em comentário à notícia: “Todo brasileiro já sabia que essa Copa seria uma bagunça, igual a 98,88% de todas as coisas deste nosso Brasil varonil. Eles criticam mas adoram o desleixo e o carnaval que por aqui dura 365 dias por ano. Ah, e se tem uma coisa que os franceses realmente entendem é ‘bordel’”
O bordel se justifica pelo teor do texto veiculado pelo site da revista francesa So Foot, intitulado Vive Le Bordel Brésilien! (Viva a zona brasileira – em livre tradução). A palavra bordel, também utilizada em português, é empregada em francês para designar tanto uma casa de prostituição, quanto para dar significado de algo confuso ou bagunçado.
O texto apresentou uma divisão das cidades-sede da Copa em três grupos: as que realmente deveriam estar sediando a Copa, aquelas em que “inevitavelmente o Mundial será uma bagunça” e aquelas onde “o melhor mesmo é ver os jogos pela televisão.” No primeiro time figuram Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza e Porto Alegre, que teriam um estoque de ‘problemas menores’ como a falta de conexão com a internet (falta, ausência, escreveram com evidente exagero, não a existência de problemas eventuais).
O segundo grupo, que inclui Natal, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Recife, as críticas foram pesadas, principalmente quanto às propaladas – e não entregues – obras de mobilidade urbana, e déficits estruturais crônicos para receber turistas. ‘Destaque’ para o trânsito caótico de São Paulo – também sobra ironia no trecho sobre o aeroporto do Galeão, no Rio, apontado como “indigno de uma capital turística: com edifícios degradados, pistas saturadas em alta estação e paralisação em atividades em cada chuva forte, que promete grandes doses de diversão [durante a Copa]”.
No terceiro grupo, formado por Cuiabá, Manaus e Curitiba, a capital do Paraná reserva, conforme o texto do jornalista francês, a “grande emoção pré- Mundial”, sobre a dúvida de o estádio estar ou não pronto a tempo da Copa. Na capital do Mato Grosso, o aeroporto é descrito como ‘um campo de barro. Apesar de ser do tamanho de uma cozinha, há um lindo papagaio pintado na parede. Nenhuma grande nação vai jogar em Cuiabá. Depois dizem que o sorteio é aleatório”.
O quesito saúde mereceu um destaque especial: “Reze para não ter problemas de saúde enquanto estiver no Brasil.” Poderiam ter acrescentado: quando o jogo ocorrer em Natal, clame aos céus para não cair na emergência da rede pública, entregue à própria sorte pelos desmandos de gestores alheios ao coletivo. Detalhe anotado no texto do conterrâneo de Claude Monet “Os hospitais públicos são péssimos, comparáveis a zonas de guerra.” Que o diga o falecido delinquente Rivotril, que escapou a polícia mas não da precariedade do Walfredo Gurgel.
Para os franceses e outras nacionalidades instaladas no panteão a que se chama primeiro mundo, prevalece a frase folclórica atribuída no início da década de 1960 ao general Charles De Gaulle: “o Brasil não é um país sério.” Que poderia ser atualizada. No Brasil dos desmandos, sério é o padeiro que acorda de madrugada para sovar a massa. E que venga la gringada!
* Stella Galvão é jornalista e colaboradora do blog, professora da Escola de Comunicação e Artes da UnP, mestre pela PUC-SP e autora de ‘Calos e Afetos’ e ‘Entreatos’. Endereço no twitter @stellag19, e-mail: stellag@uol.com.br
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