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O deputado e o ‘doente imaginário’
Um clima geral de consternação tomou de assalto a política do Rio Grande do Norte, desde que o deputado federal Paulo Wagner (PV) anunciou ser portador de grave moléstia que o forçará, não sem muito esforço, a receber para o resto dos dias uma gorda fatia do dinheiro público. Os jornais têm relatado com seriedade a história envolvendo o parlamentar que foi catapultado à vida pública graças ao perfil burlesco que assumia em programa televisivo sob seu comando.
O grande mistério gira em torno da tal moléstia que o deputado alega para embolsar mensalmente a bolada de R$ 27 mil sem nenhum esforço, porque equivaleria a remunerar uma alegada invalidez. Além da bufunfa, o parlamentar pleiteia um plano de saúde vitalício – a misteriosa doença teria começado em junho de 2011, apenas cinco meses depois dele assumir uma cadeira na Câmara Federal.
Nos jornais, leu-se que a tal doença “foi confirmada” pelos médicos brasilienses Jezreel Avelino da Silva, Marília Bonfim e Silva de Moraes e Paulo Nery de Oliveira, “após a análise de documentos”. Como assim confirmada? E onde estão os laudos e documentos comprobatórios da tal enfermidade misteriosa?
Segundo o parecer dos médicos arregimentados pelo enfermo misterioso, “o senhor deputado Paulo Wagner é portador da patologia elencada na Lei nº 9.506, de 1997, art. 2º, inciso I, alínea a”. Soube-se, então, que o tal trecho da lei permite a “Senador, Deputado Federal ou suplente que assim o requerer, no prazo de trinta dias do início do exercício do mandato, participará do Plano de Seguridade Social dos Congressistas, fazendo jus à aposentadoria: I – com proventos correspondentes à totalidade do valor obtido na forma do § 1º: a) por invalidez permanente, quando esta ocorrer durante o exercício do mandato e decorrer de acidente, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei”.
Trocando em miúdos, tudo muito vago e cercado de névoas. Para começar, nunca se soube antes de doença séria que acometia o parlamentar. O que os natalenses trazem vívida na memória é a cena televisiva do hoje deputado lançando uma roliça barriga à frente do corpo em arremedo de dança. Toda a encenação, os brados e escracho explícito contribuíram para a eleição, primeiro para vereador em 2008, depois para deputado com assento na Câmara Federal.
Algum esforço de pesquisa e é possível identificar a especialidade dos doutores elencados no protocolo que avaliza a moléstia do deputado, conforme o requerimento enviado à Câmara. Jezreel Avelino é pediatra, enquanto Marília Bonfim e Paulo Nery são médicos intensivistas. Ou seja, o cordão de especialistas está apto a diagnosticar distúrbios surgidos ao longo da infância, etapa que guarda distância da condição de cinquentão do deputado. Marília e Paulo atuariam, por sua especialidade, em Unidades de Terapia Intensiva.
A dúvida que paira no ar, crudelíssima: teria o deputado uma moléstia internalizada desde os tempos em que não saía dos cueiros? Ou, noutra hipótese, o deputado que alega uma doença séria a ponto de pleitear a aposentadoria precoce por invalidez teria estado recolhido a uma UTI sob os cuidados dos dois médicos intensivistas? Seria então um clone o parlamentar que é constantemente visto à vontade entre picanhas e maminhas em restaurantes como Fogo e Chama e Sal e Brasa, na capital potiguar? Segundo o vespertino ‘Jornal de Hoje’, PW utiliza a verba indenizatória mensal da Câmara, mixaria mensal de R$ 30 mil/mês, “até para pagar refeições”. Essa frequência a casas de carne faria supor uma síndrome metabólica raríssima, causada pela ingesta de elevado teor de lipídeos?
Em busca do nirvana, Paulinho, como também é conhecido, faz pressão junto aos primos Henrique Alves, presidente da casa legislativa, e Garibaldi Alves Filho, ministro da Previdência Social. Ainda segundo as notícias veiculadas nos meios informativos natalenses, o deputado trabalha aposentadoria precoce nas duas frentes. Se não colar na Câmara, vai de Previdência mesmo. O importante é o afastamento da vida tremendamente exaustiva do trabalho, ideal até mesmo para um doente imaginário.
O doente imaginário (Le Malade Imaginaire), a propósito, foi a última peça escrita, em 1673, por Molière – Jean-Baptiste Poquelin, dramaturgo francês e mestre da comédia satírica. A peça é dividida em três atos e tem como personagem principal um hipocondríaco, Argon, rico e avarento burguês. Em seu segundo casamento, com uma mulher mais nova e interesseira, Argon vive na cama, com a constante visita de médicos. Angélica, filha de Argon, apaixona-se pelo romântico Cleanto. O pai, porém, quer que ela se case com um médico, pois desta forma teria assegurado consultas gratuitas sem ao menos precisar sair de casa. Ou uma bela soma mensal e um plano vitalício por obra e graça de uma doença bem imaginada.
* Stella Galvão é jornalista e colaboradora do blog, professora da Escola de Comunicação e Artes da UnP, mestre pela PUC-SP e autora de ‘Calos e Afetos’ e ‘Entreatos’. Endereço no twitter @stellag19, e-mail: stellag@uol.com.br
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