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Artigo

Com delírio golpista não se brinca, nem na Bolívia, nem no Brasil

por Florestan Fernandes Jr, no Brasil 247

A quartelada ocorrida na Bolívia, na última quarta-feira (26), demonstra a quão anacrônica é a velha receita de golpe dos anos 60/70, que alguns generais latino-americanos teimam em usar para retornar ao poder. Foi-se a época em que bastavam “soldados perdidos de armas nas mãos” e tanques obsoletos nas ruas, para garantir o sucesso de uma ruptura institucional.

Ontem, em tempo real ao da quartelada, vários países e órgãos internacionais repudiaram firmemente o golpe em marcha. Sem apoio externo e interno, o sonho golpista do general Juan José Zúñig se tornou rapidamente em pesadelo. Poucas horas depois da intentona golpista, o general e outros onze militares foram detidos e irão responder na Justiça pelos crimes de levante armado contra a segurança e soberania do Estado. Ou seja, em alguns países, golpistas fracassados são prontamente punidos e execrados do cenário político.

Impossível não comparar com a nossa terra brasilis… Por aqui, o golpe só não prosperou por falta de apoio internacional e pela divisão interna de alguns comandantes dentro das Forças Armadas.

A resposta que vem sendo dada aos crimes cometidos pelos mentores do golpe é frágil e lenta. E essa percepção de lentidão e leniência não é de agora. Ainda no calor do 8 de janeiro, já havia sinais. Um dos mais emblemáticos aconteceu no fim da tarde naquele mesmo dia, quando o general Gustavo Henrique Dutra, do Comando Militar do Planalto, impediu que a PM invadisse e prendesse os golpistas acampados na frente do Quartel General de Brasília. Vejam o tamanho da afronta: o comandante cercou o acampamento com blindados do exército para impedir a ação da Polícia Militar do DF. E o que aconteceu com o general? Nada.

Esse “passar pano” foi o primeiro de uma série de atos que vêm poupando não só os oficiais que participaram ativamente do projeto golpista, mas o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro que, todos sabemos, foi um dos seus mentores.

Livre, leve, solto e influindo no cenário eleitoral, Bolsonaro sabe da importância de preservar sua relação com os oficiais das FA, mas constrói com as PMs o seu braço armado ideológico preferencial, que certamente será decisivo num futuro próximo.

Hoje, os PMs em todo o país não só frequentam os cultos das igrejas neopentecostais bolsonaristas lideradas pelos empresários da fé, onde o mote é a doutrinação política (e não religiosa), mas também estão ocupando cargos públicos importantes no legislativo e no executivo.

No governo de Tarcísio, o principal nome dessa ala bolsonarista é a do secretário de Segurança Pública, Coronel Guilherme Muraro Derrite. Aquele mesmo que no passado foi afastado da Rota por excesso de mortes em serviço. Outro nome de confiança de Bolsonaro é o coronel Ricardo Mello Araújo, ex-comandante da Rota e indicado ao cargo de vice-prefeito na chapa de Ricardo Nunes.

No sábado (22/06), policiais militares que irão se candidatar nas eleições deste ano participaram de um encontro com assessores e equipes da Bancada da Bala em São Pulo. A meta dos articuladores do encontro é a eleição de pelo menos 645 vereadores, em todo o estado. Até na educação pública, as PMs estão se infiltrando, através das chamadas “escolas cívico-militares”, onde, pasmem, os PMs darão aulas de política e ética.

Está mais do que claro que a extrema-direita se prepara para novos grandes embates que colocarão em risco a democracia. E que nesse contexto, as PMs do país, até mesmo pela sua maior capilaridade, terão um papel fundamental no avanço de um Estado autocrático. Papel este mais relevante que o das Forças Armadas.

Em momentos como este, é bom rever a história recente. Os nazistas assumiram o poder na Alemanha em janeiro de 1933. Foi o fim de um período de 12 anos de democracia, da chamada República de Weimar. A ditadura de Hitler só teve sucesso por conta da atuação dos paramilitares da truculenta SS nazista, criada em 1925 para proteger o fuhrer.

Na semana que vem a PF conclui os inquéritos sobre a venda ilegal de joias e a fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro. Para o bem da democracia, torcemos todos para que a PGR não perca tempo e ofereça o quanto antes as denúncias, para dar início às ações penais contra os mentores, financiadores e idealizadores da tentativa de golpe.

A história e os acontecimentos recentes em nosso entorno sul-americano devem nos servir de alerta e lição. Com delírio golpista não se brinca!

*Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e Diretor de Redação do Brasil 247

Foto: Aízar Raldes/AFP

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