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Da defesa em recepção em Brasília ao susto com `banho de sangue´: como a relação de Lula e Maduro murchou

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A relação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, murchou desde o início do mandato de Lula, e se desdobrou com troca de farpas e indiretas entre os dois mandatáriosnas últimas semanas.

Maduro vive um impasse político em seu país desde domingo (28), quando disputou a eleição. A situação é delicada para o Brasil, porque Maduro costumava ser um aliado de Lula, mas o governo queria eleições limpas e democráticas. E a oposição venezuelana e autoridades de outros países disseram que isso não ocorreu.

Assim que o presidente brasileiro assumiu o cargo, uma das primeiras ações do governo foi retomar as relações com a Venezuela, que até então tinham sido rompidas no governo anterior (leia mais abaixo).

No primeiro ano de mandato, Lula fez questão de destacar a importância da aliança com a Venezuela e de reconhecer o governo de Maduro.

Mas após o país vizinho tomar ações contrariando acordos e excluindo observadores internacionais das eleições, além de invalidar candidaturas da oposição, a relação estremeceu (veja os detalhes adiante).

Nos últimos dias, Maduro mentiu que as eleições brasileiras não são auditadas, o que foi classificado pelo governo brasileiro como desrespeitoso.

O Brasil ainda não se posicionou oficialmente sobre se reconhece ou não a vitória de Maduro, anunciada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão eleitoral da Venezuela, que é ligado ao governo daquele país.

O CNE declarou que o atual presidente se reelegeu por 51,2% dos votos.

O assessor especial do governo Lula para relações exteriores, Celso Amorim, está em Caracas, capital da Venezuela, onde acompanha os desdobramentos das eleições, e tenta manter o diálogo com Maduro.

Em uma conversa de cerca de uma hora na noite desta segunda, Amorim reforçou o pedido do governo brasileiro para a Venezuela publicar integralmente as atas da eleição presidencial.

Elogios em público

Em maio do ano passado, Maduro esteve no Brasil para a cúpula de líderes da América do Sul. Antes disso, a última passagem dele pelo país tinha sido em 2015.

No dia anterior ao evento, que ocorreu em Brasília, Maduro esteve no Palácio do Planalto, onde se reuniu com Lula. Em seguida, os dois presidentes almoçaram juntos no Palácio Itamaraty.

Ao chegar ao Itamaraty, Lula posou para fotos ao lado de Maduro e fez a seguinte indagação antes de apertar a mão do presidente venezuelano: “Quantos anos vocês passaram ouvindo dizer que o Maduro era um homem mau?”. Maduro respondeu: “Muitos anos”.

Durante declaração naquele dia, o presidente brasileiro classificou o momento como “histórico” e disse que “brigou muito” com governos que não reconheciam Maduro como presidente da Venezuela. Ressaltou que o governo buscaria a “integração plena” entre os dois países.

Lula ainda afirmou, na época, que existia um preconceito contra o país vizinho e que o Brasil foi criticado por ser amigo da Venezuela. Foi nesse contexto em que o presidente brasileiro disse que a Venezuela precisaria divulgar sua “narrativa” — frase bastante criticada pela oposição do petista.

“Acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa efetivamente fazer pessoas mudarem de opinião. […] É preciso que você construa a sua narrativa, e eu acho que por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser melhor do que a narrativa que eles têm contado contra você”, pontuou Lula na ocasião.

As eleições venezuelanas também fizeram parte da fala de Lula naquele dia. O presidente brasileiro argumentou que somente o povo da Venezuela, por meio de um pleito livre, poderia dizer quem iria governar o país. Chegou a mencionar que os adversários teriam de “pedir desculpas pelo estrago que fizeram na Venezuela.”

As relações entre Brasil e Venezuela tinham sido rompidas pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Ainda em 2019, após assumir, Bolsonaro deixou de reconhecer Maduro como presidente venezuelano e passou a aceitar Juan Guaidó como presidente interino. Outros países também aceitaram a representação de Guaidó.

A relação foi retomada assim que Lula assumiu a presidência e, em 18 de janeiro, o Brasil estabeleceu representação diplomática para atuar na embaixada brasileira em Caracas.

Nicolás Maduro está no poder desde 2013. Ele sucedeu na função o seu padrinho político Hugo Chávez, que chefiou o país a partir de 1999 e morreu em 2013.

Telefonemas sobre eleição

Em outubro e dezembro do ano passado, Lula e Maduro conversaram por telefone.

Na conversa de outubro, Lula e o aliado esquerdista trataram sobre eleições na Venezuela; sanções dos Estados Unidos ao país vizinho; fornecimento de energia elétrica; e também propostas para o pagamento da dívida venezuelana com o Brasil.

De acordo com o Planalto, na ligação, Lula solicitou informações sobre negociações entre governo e oposição na Venezuela em torno da realização das eleições.

Lula também tratou, segundo o governo, sobre tratativas entre Venezuela e Estados Unidos para a suspensão de sanções norte-americanas, que, nas palavras do Planalto, “atingem a economia e a população civil” da Venezuela.

Contrários ao governo de Maduro, os EUA impuseram sanções econômicas à Venezuela. As medidas agravaram a crise econômica do país.

Outro assunto do telefonema de Lula e Maduro, segundo o Planalto, foram as propostas para a retomada do pagamento da dívida da Venezuela com o Brasil.

A dívida da Venezuela junto ao governo brasileiro estava estimada em US$ 1,2 bilhão em maio de 2023, segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Em dezembro, os dois presidentes voltaram a se falar em ligação. Na ocasião, Maduro telefonou para Lula — momento em que havia uma tensão entre Venezuela e Guiana por uma disputa territorial pela região denominada Essequibo. A região hoje faz parte do território da Guiana, mas estava sendo reivindicada pelo governo de Maduro.

Na conversa, segundo o governo brasileiro, o presidente manifestou preocupação com a crise e fez um “chamado ao diálogo”. Segundo fontes do governo brasileiro na época, Maduro recebeu bem a proposta de o Brasil ser uma espécie de mediador entre os dois países na disputa.

Depois de falar com Lula, Maduro publicou uma mensagem no X (antigo Twitter) em que mencionou uma possibilidade de diálogo com a Guiana. Mas, na época, não foi possível dizer se a postagem já estava programada ou se foi resultado da conversa.

Mudança de temperatura

Em 1º de março deste ano Lula e Maduro voltaram a se encontrar durante a 8ª Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em São Vicente e Granadinas.

A expectativa de auxiliares próximos de Lula era que o presidente medisse a temperatura no país com relação às eleições presidenciais.

O Itamaraty buscava, por meios diplomáticos, levar a Venezuela a cumprir o Acordos de Barbados, que determina eleições transparentes no país.

Lula estava preocupado com a situação do país vizinho, após Maduro ter tomado ações que colocavam em risco esses acordos (veja algumas delas abaixo).

Na semana anterior, pelo menos 12 funcionários de um escritório local do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) deixaram a Venezuela, depois que o governo determinou sua saída.

Outros fatores também contribuíram para insegurança por parte de Lula, segundo relataram assessores do presidente do Brasil. Entre eles:

Aliado a esses fatores estava a disputa pela região de Essequibo, que aumentava o nível de tensão. Maduro já tinha sido avisado por emissários do governo brasileiro sobre o risco de perder o controle da situação.

Auxiliares do presidente brasileiro ainda disseram que Lula não apoiaria qualquer “aventura” de Maduro ao tentar anexar o território. Na época, o governo brasileiro reforçou as fronteiras e o efetivo de militares.

E, como o previsto, naquele dia da ligação, os dois líderes conversaram sobre eleições as venezuelanas. Mas também estiveram na pauta o contexto econômico, o comércio bilateral entre os dois países, e as parcerias para frear o garimpo ilegal nas regiões fronteiriças.

O único tema que ficou de fora na conversa desse dia, segundo assessores, foi Essequibo.

Já no fim de março, Lula voltou a falar sobre as eleições da Venezuela, durante uma visita do presidente da França, Emmanuel Macron, a Brasília.

Lula classificou como “grave” o veto à principal candidata de oposição a Maduro. Na ocasião, a professora Corina Yoris, não conseguiu completar o registro da candidatura à presidência.

“É grave que a candidata não possa ter sido registrada. Ela não foi proibida pela Justiça. Me parece que ela se dirigiu até o lugar e tentou usar o computador local e não conseguiu entrar. O dado concreto é que não tem explicação, não tem explicação jurídica, política, você proibir um adversário de ser candidato. Eu quero que as eleições sejam feitas igual a gente faz aqui no Brasil, com a participação de todos. Quem quiser participar, participa, quem perder chora, quem ganhar ri, e assim a democracia continua”, desse Lula na época.

Outro candidato da oposição, Manuel Rosales, acabou conseguindo se inscrever de última hora.

Foi nesse momento em que Maduro começou a se tornar um vizinho incômodo para Lula.

Troca de farpas

No dia 17 de julho, Nicolás Maduro disse em um comício, na Parroquia de la Vega, um distrito popular na Zona Oeste de Caracas, que o país poderia enfrentar um “banho de sangue” e uma “guerra civil” caso ele não fosse reconduzido ao cargo nas eleições de 28 de julho.

Na semana seguinte, em entrevista a agências internacionais, Lula disse ter ficado “assustado” com a declaração de Maduro. Acrescentou que o presidente venezuelano deveria aprender que, quando se perde uma eleição, é preciso respeitar o resultado e ir “embora”.

“Eu já falei para o Maduro duas vezes, e o Maduro sabe, que a única chance da Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado por todo o mundo”, afirmou o presidentes às agências.

Naquele momento, Lula destacou que o Brasil enviaria observadores internacionais ao país, e o assessor da Presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, para acompanhar o processo eleitoral do país vizinho.

No mês anterior, Lula já tinha conversado com Maduro sobre a importância da “ampla presença” dos observadores nas eleições venezuelanas e reiterou o apoio brasileiro aos Acordos de Barbados.

Isso porque a Venezuela tinha excluído a União Europeia da lista de observadores internacionais para as eleições de julho.

Em 23 de julho, após a declaração de Lula sobre estar assustado, Maduro rebateu a fala do presidente brasileiro sem citá-lo nominalmente. O presidente venezuelano afirmou: “Quem se assustou que tome um chá de camomila.”

Nesse mesmo dia, ao falar sobre “banho de sangue”, Maduro justificou que fez uma referência à revolta popular de 1989, conhecida como “Caracaço”.

À época, dezenas de pessoas morreram. O evento provocou uma virada política na Venezuela nos anos seguintes, além da ascensão da popularidade de Hugo Chávez.

Mas, no dia seguinte, outra fala polêmica fez o Brasil se posicionar.

Maduro mentiu durante um comício, sem citar provas, que as eleições brasileiras não são auditadas, o que foi classificado pela equipe do governo como “provocação desrespeitosa”.

Diante disso, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, reiterou que “as urnas e as eleições brasileiras são auditadas, desde o início do seu processo até o seu final”.

Após a fala, o TSE, então, decidiu voltar atrás e não enviar mais os observadores para acompanhar a eleição.

Ficou mantida apenas a ida de Celso Amorim como observador, que, até a publicação desta reportagem, acompanhava os desdobramentos do resultado da eleição.

Em conversa, com Maduro nesta segunda (29), Amorim reforçou o pedido do governo brasileiro para a Venezuela publicar integralmente as atas da eleição presidencial.

Foto reproduzida da Internet





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