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Política

Fake news de Damares sobre exploração sexual na Ilha de Marajó foi cortina de fumaça para beneficiar igrejas evangélicas

Está no Brasil 247

A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro (PL), está no centro de uma série de denúncias envolvendo uso político e religioso do programa federal Abrace o Marajó, implementado entre 2020 e 2022. Segundo investigação publicada pelo UOL nesta sexta-feira (9), o projeto, que tinha como justificativa oficial o combate à exploração sexual infantil no arquipélago paraense, acabou servindo como plataforma para grilagem de terras e favorecimento de igrejas evangélicas, especialmente da Assembleia de Deus.

Com apoio do Pulitzer Center Rainforest Reporting Grant, os repórteres Juliana Sayuri, Talyta Vespa e Fabrício Venâncio percorreram municípios como Bagre e Oeiras do Pará — os mais impactados pelas emissões de Termos de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) durante o programa — e identificaram irregularidades graves na destinação de terras públicas. Templos religiosos foram erguidos em áreas que deveriam estar destinadas ao uso comunitário de populações ribeirinhas.

Durante a gestão de Damares, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos passou a incluir a regularização fundiária entre suas atribuições, algo inédito na história da pasta. Nesse período, foram emitidos mais de 400 TAUS, autorizando o uso de mais de 50 milhões de m² de terras federais — em muitos casos, sem que houvesse qualquer ação oficial de regularização, segundo o Ministério da Gestão.

“Onde o poder público não chega, a igreja chega”, disse ao UOL Edno Dias, pastor da Assembleia de Deus e atual secretário de Agricultura de Bagre, que participou diretamente do cadastramento de ribeirinhos para obtenção dos TAUS.

Diversos moradores relatam ter recebido áreas de milhões de metros quadrados sem saber da real dimensão dos terrenos. Em alguns casos, parte das terras foi “doada” informalmente para construção de igrejas. Antônio Martins, morador de Bagre, recebeu um TAUS de 2,1 milhões de m² e permitiu a instalação de um templo ao lado de sua casa. Situação parecida ocorreu com Jocival Assunção, beneficiado com uma área de 3 milhões de m².

As áreas, no entanto, continuam pertencendo à União e não podem ser transferidas legalmente. O Ministério da Gestão já admitiu a ausência de ações oficiais de regularização em municípios como Bagre entre 2019 e 2022, apesar da emissão dos documentos — o que configura indício de fraude.

Em Oeiras do Pará, o UOL identificou 160 TAUS emitidos com uma única coordenada geográfica, o que indica erro ou manipulação nos registros. A cidade, incluída no programa apenas em 2022 por articulação da prefeita Gilma Ribeiro (PP), também recebeu reuniões de regularização fundiária dentro de templos da Assembleia de Deus.

Outro ponto que levanta suspeitas é a atuação da empresa Biotec Amazônia, parceira do programa e que tem no conselho Paulo Bengtson, primo de Damares e pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular. A senadora afirmou, por meio de sua assessoria, não ter tido participação na escolha da empresa nem ingerência nas emissões dos TAUS.

A emissão excessiva levou órgãos do sistema de Justiça a monitorar a situação, em razão de indicativo de fraude”, declarou o Ministério de Direitos Humanos em março de 2024.

A coordenadora-geral da Amazônia Legal na SPU entre 2009 e 2013, a advogada Patrícia Menezes, criticou o uso do programa para interesses religiosos e eleitorais:

 “Utilizar TAUS para implantar igrejas evangélicas no Marajó é absolutamente irregular, e deve ser apurado considerando os riscos de improbidade administrativa na gestão do patrimônio público federal e sua combinação com crimes eleitorais de desvio de finalidade na utilização de instrumento de destinação do patrimônio da União”, afirmou.

Damares Alves também está sendo processada pelo Ministério Público Federal por disseminação de fake news. Quando ministra, ela chegou a afirmar publicamente que meninas marajoaras seriam exploradas sexualmente por não usarem calcinhas e que teriam os dentes arrancados “para não morderem na hora do sexo oral”. O MPF pede indenização de R$ 5 milhões por danos coletivos.

A senadora deve retornar ao arquipélago em 22 de maio, acompanhada de uma comitiva parlamentar. A assessoria afirma que o objetivo da visita é “constatar, com os próprios olhos, todas as situações denunciadas pelos moradores”, e que ministérios do governo Lula foram convidados, mas não responderam ao convite.

O Ministério da Gestão informou que iniciará apuração detalhada sobre os TAUS emitidos no período. A SPU deve reavaliar caso a caso a legalidade das autorizações.

Foto reproduzida da Internet

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