Baú de Estrela

Jairinho e o farelo

por Stella Galvão

Já sabemos que o menino era aquele tipo de delinquente que expulsava visitas da casa dos pais. Também sabemos que todos os relatos que emanavam de semelhante despautério geravam uma onda de ojeriza aos pequenos. Pois faz uns dias que o pivete se exibiu em vídeo numa lambança medonha com farofa. O vídeo foi iniciativa do amiguinho do pivete, um zé bonitinho inútil e tão inconsequente que tinha o sobrenome no futuro do pretérito, a quem chamaremos aqui, por afinidade temática, de Juninho Farinha.

Juninho queria provar ao bando cada vez maior dos que torciam o nariz para as barbaridades de Jairinho que o amigo não era apenas o miliquinho chefete dos tortos das redondezas. Que, na intimidade, ele até parecia gente. É que Farinha, confuso e errático como o pai, era dado a eurecas. Via um vídeo no tik tok e já corria gritando porta afora que a dancinha tal e qual tinha saído de sua cachola. Ninguém lhe fazia caso, é claro, nem mesmo a tontinha herdeira de uma rádio caseira que gostou da estampa do tipo. Calado era um deus grego!

Bem, da farelada foi possível deduzir que 1. Jairinho só serve pra delinquência; 2. Não há meios de trazer à razão um destrambelhado; 3. Farofa é uma iguaria para o bocó, habituado a rasgar nacos de carne no fundo da cozinha e 4. O cargo de relações públicas de Juninho só serviu para expor sua total ausência de serventia. De toda maneira, a dupla é alvo de cusparadas e impropérios por parte dos fabricantes de farelos de toda espécie, que passou a temer a associação do projeto que alegra comensais, a tão malfadadas criaturas.

A história recuperou em várias partes um texto publicado pelo do bruxo do Cosme Velho, como Carlos Drummond de Andrade apelidou Machado de Assis. Em sua “Crônica dos Burros”, publicada no jornal ‘A semana’ em 16 de outubro do longínquo 1892, o escritor relata uma tertúlia entre esses animais enquanto puxavam carroças pelo centro do Rio. Picoto um pouco a crônica [perdão, grão mestre], cuja leitura recomendo, para traçar o paralelo com nossos personagens mirins. O da esquerda rinchava ao da direita:

  • Entre parecer e ser, a diferença é grande. Tu não conheces a história da nossa espécie,
    colega; ignoras a vida dos burros desde o começo do mundo. Quem nos poupa no dia,
    vinga-se no dia seguinte.
    O da direita:
  • Que tem isso com a liberdade?
  • Vejo, redarguiu melancolicamente o burro da direita, vejo que há muito de homem nessa cabeça.

Vemos, portanto, que há muito de inumano na cabeça do menino que comeu farinha trocando os pés pelas mãos para jactar-se de sua porção animal. Os burros rinchariam alegremente de tamanha estupidez!

*Stella Galvão é jornalista, cronista e colaboradora do blogdobarbosa

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