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Baú de um Repórter

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Coletânea de Causos

Que causos são esses, Barbosa?

Incentivado por amigos resolvi escrever também causos particulares vivenciados ao longo dos anos. Alguns relatos são hilários, e dignos de levar ao programa Que História é Essa, Porchat. Seguem os causos em forma de coletânea.

Editorial, O Baú de um Repórter, Política

O baú de um repórter

 

Retomo as informações sobre os bastidores da notícia no Baú de um Repórter falando hoje sobre uma reportagem fora de pauta que fiz em 1990. Aprendi nos bancos de faculdade que um bom repórter não pode ficar preso único e exclusivamente a sua pauta. Se surgir algo que ache interessante vale fazer a matéria, mesmo que fuja a pauta. E foi o que fiz. A seguir o relato:

O dia em que fugi a pauta

Eleições para governador do Rio Grande do Norte de 1990. O petista Salomão Gurgel, hoje prefeito da cidade de Janduís, interior do estado, concorria ao governo. Meu colega e amigo Luciano Herbert era o editor de Política do Diário de Natal. Me escalou para cobrir a campanha do petista. A minha missão diária era acompanhar o candidato. Numa sexta-feira a agenda de Salomão se resumia a uma visita ao pessoal do MST que havia invadido a fazenda Marajó localizada no município de João Câmara, região do Mato Grande do estado, e a cerca de uns 45 quilômetros de Natal. Estava acompanhado do repórter fotográfico Carlos Silva, Carlinhos como é mais conhecido.

Saímos de Natal acompanhando o candidato e a sua comitiva no carro da reportagem por volta das 14h30. Chegamos na fazenda Marajó e fomos recepcionados pelos líderes do movimento. Salomão conversou com o pessoal, fez fotos e filmagem para a campanha a ser levado ao ar no programa eleitoral do candidato e conversou com as lideranças sobre a situação deles. O MST considerava a fazenda não-produtiva daí a invasão. O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] tinha uma outra interpretação.

Fiz o factual sobre a presença do candidato petista numa fazenda invadida pelo MST. Não tinha muito o que falar. Foi então que vendo que Carlinhos estava clicando os sem-terra decidi fazer uma matéria extra-pauta. Comecei a ouví-los. Suas condições – precárias – seus pleitos, enfim, tudo o que pudesse arrancar deles. As queixas eram muitas principalmente com relação ao Incra e me disseram que dali não arredavam o pé enquanto não fosse dada uma solução satisfatória a eles no caso.

Com o material que tinha em mãos, mais as fotos que Carlinhos produzira achei também – e como manda o bom jornalismo – ouvir o outro lado. Ou seja, a versão do Incra sobre a invasão. Retornamos à Natal e chegamos por volta das 17h30. Fui direto para a superintendência do órgão. Carlinhos foi pra Redação do jornal. Lá chegando me identifiquei e disse a secretária do superintendente – Roberto Tolentino, salvo engano era o nome dele – que queria uma entrevista. A secretária me perguntou de pronto qual seria o assunto. Respondi: A invasão da fazenda Marajó pelos sem-terra. Ela mandou que aguardasse que iria falar com o superintendente.

Não demorou muito ela retornou e disse: Pode entrar ele vai lhe receber. Tal a minha surpresa foi quando o superintendente pediu para sua secretária acompanhar a entrevista. De certo pensando que poderia deturpar suas declarações e escrever o que não devia na matéria. Nesse dia infelizmente não estava com o gravador. Aliás desteto gravador pois o trabalho de tirar a matéria depois é um saco. Mas pelo menos tem um lado positivo. A gravação é um documento que o repórter tem em mãos caso alguém questione o que foi escrito.

Começo a entrevista e o superintendente do Incra no Rio Grande do Norte foi logo dizendo: “Os sem-terra vão sair nem que seja na base da porrada na segunda-feira. Vou chamar a Polícia e botar eles pra fora”. Anotei suas declarações e tratei logo de colocar um asterisco ao lado – é assim que faço quando estou entrevistando alguém e entendo que aquela declaração pode ser o leade da matéria. O restante da entrevista só serviu mais para encher linguiça. Satisfeito corri pra redação.

Chegando lá Luciano pergunta se a visita de Salomão aos sem-terra rendeu alguma coisa. Falei pra ele que do ponto de vista político só o factual, mas que tinha uma outra matéria-extra pauta que servia mais para a editoria de Cidades. Ele disse para falar com Serejo [Vicente Serejo] editor-geral do Diário nessa época. Fui direto pra falar com ele. Serejo me indagou se alguém mais tinha essa matéria. Disse-lhe que não. Só eu acompanhei Salomão à Fazenda Marajó. Ele afirmou então que queria a matéria para ser publicada em O Poti, no domingo.

Fui pra minha Remington – nessa época não tinha computador tudo era feito na máquina de escrever – e comecei logo a fazer a matéria de política. Luciano tinha pressa em editar o amterial que sairia no sábado. Claro, evitei falar sobre as conversas que tive com os sem-terra. Acabei o material de política e me dediquei a fazer a matéria sobre a invasão acompanhada das declarações do superintendente do Incra.

Matéria produzida, pedi para ver as fotos, já reveladas, com Carlinhos. Ele me mostrou uma foto com os sem-terra perfilados e com foices e facões nas mãos apontando para o alto. Como que num ritual de guerra. Eram homens, mulheres e crianças. Uma foto digna de primeira página tal qual foi acompanhada de uma manchete que dizia mais ou menos assim: Incra vai retirar sem-terra nem que seja na base da porrada. Resultado: O superintendente do órgão convoca uma coletiva no dia seguinte para desmentir o que havia me dito. A coletiva foi pela manhã e o Diário mandou um repórter da editoria de cidades.

Quando chego na Redação na segunda-feira à tarde para trabalhar, Serejo me chama e fala sobre a entrevista do superintendente do Incra. Me questiona sobre a matéria e diz que o Tolentino ainda mandou uma carta ao jornal. Puto da vida porque não tinha inventado nada, mas que não poderia provar pois a conversa não havia sido gravada, perguntei a Serejo se também poderia escrever uma nota. Ele disse que sim, mas que iria ser publicada junto com a carta do superintendfente do Incra. Concordei.

Voltei a Remington e mandei pau. Disse que jamais seria ingênuo de inventar qualquer palavra que não fosse a do superintendente do Incra com relação a mandar o sem-terra a saírem da fazenda nem que fosse na base da porrada. Até porque ele pediu a sua secretária para acompanhar a entrevista. Como iria inventar palavras sua se ele tinha alguém para testemunhar a seu favor? Indaguei isso na nota.

A veracidade do que disse na matéria era tão grande que até hoje ninguém do Incra respondeu a minha nota. Ficou o dito pelo não dito. O superintendente do Incra sabia que estava faltando com a verdade quando convocou a coletiva para desmentir o que havia me dito, e com testemunha. Infelizmente o fotógrafo do jornal tinha ído direto para a redação e não me acampanhou na dita entrevista. Mas são coisas que acontecem no jornalismo.

Obs do blog: O web-leitor que quiser conhecer mais informações sobre os basditores da notícia é só ir em BUSCA na coluna à direita do blog e colocar uma palavra-chave tipo baú. 

* A pedido de alguns leitores estou repetindo esse texto porque não está constando da relação de O baú de um repórter quando acessado em BUSCA

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