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Coletânea de Causos

Que causos são esses, Barbosa?

Incentivado por amigos resolvi escrever também causos particulares vivenciados ao longo dos anos. Alguns relatos são hilários, e dignos de levar ao programa Que História é Essa, Porchat. Seguem os causos em forma de coletânea.

Artigo

O fascismo é uma peste psíquica: o autoritarismo como doença da alma

por Luís Peregrini, no Brasil 247

O fascismo é menos uma ideologia política do que uma forma de psicose coletiva – uma “doença da psique”, como a definiu Carl Gustav Jung nos anos 1930, quando observava o avanço do nazismo na Europa. Não se trata apenas de um regime de poder, mas de uma possessão emocional das massas, uma irrupção de forças inconscientes e arcaicas que encontram, na política, o palco perfeito para se manifestar.

Jung via o totalitarismo como uma epidemia psíquica coletiva: um contágio emocional que se espalha quando as sociedades perdem seus referenciais simbólicos e espirituais. Em seu ensaio Wotan (1936), ele descreve a Alemanha nazista como dominada por um arquétipo antigo – o deus germânico Wotan, senhor da guerra e do transe. “Um deus tomou posse dos alemães”, escreveu. Era a irrupção de forças instintivas, irracionais, que transformaram um povo inteiro em massa de manobra conduzida por líderes autocratas.

Essas epidemias psíquicas, advertia Jung, são mais perigosas que as físicas: “A maior ameaça para a civilização não vem das bombas, mas das doenças mentais coletivas que podem destruir uma nação”. Quando o medo, o ressentimento e a necessidade de pertencimento se tornam motores da vida pública, a razão se dissolve e o indivíduo abdica de sua autonomia. O resultado é o fascismo – ou, em termos mais amplos, o autoritarismo como sintoma de desequilíbrio psíquico.

O autoritarismo como sintoma de desequilíbrio

A história mostra que, em tempos de crise, as sociedades buscam líderes messiânicos: figuras que prometem restaurar a ordem perdida, devolver a segurança e redimir a nação. Esse apelo emocional, mais do que político, nasce da ansiedade coletiva e do colapso simbólico. O autoritarismo, assim, é o espelho de uma alma social adoecida.

Wilhelm Reich, contemporâneo de Jung e dissidente de Freud, chegou a diagnóstico semelhante por outro caminho. Em A Psicologia de Massas do Fascismo (1933), ele definiu o fascismo como “a expressão política da estrutura de caráter autoritária”. Para ele, regimes totalitários florescem em sociedades onde a repressão – sexual, emocional e moral – produz indivíduos submissos e ressentidos. A energia vital reprimida converte-se em obediência e ódio. “A peste emocional”, escreveu Reich, “é a doença que transforma o medo em devoção e a frustração em fanatismo”.

Se Jung via no fascismo uma irrupção do inconsciente coletivo, Reich o via como cristalização da repressão individual. Ambos, no entanto, convergiam: o autoritarismo nasce do mesmo terreno psíquico – a incapacidade de lidar com a liberdade, a sombra do medo, a recusa da complexidade.

Da psicose de massas ao controle difuso

Após 1945, pensadores da Escola de Frankfurt – Adorno, Horkheimer, Marcuse – perceberam que as formas pulsionais do fascismo haviam sobrevivido dentro da própria democracia. O autoritarismo moderno, diziam, disfarça-se sob a máscara da liberdade. A “tolerância repressiva”, conceito de Marcuse, descreve esse novo regime em que o controle se exerce não pela coerção, mas pela saturação do desejo. O indivíduo acredita ser livre, mas pensa, consome e deseja o que o sistema prescreve.

Mais de meio século depois, essa lógica se intensificou. As redes digitais, o espetáculo da polarização e a retórica do medo recriam, em escala global, as mesmas dinâmicas emocionais do totalitarismo clássico. O ódio, o ressentimento e a necessidade de pertencimento tornam-se vírus mentais disseminados em alta velocidade. O fascismo reaparece – não como partido ou doutrina, mas como estado psíquico difuso.

O antídoto: consciência e individuação

Para Jung, o único antídoto contra as epidemias psíquicas é a individuação – o processo de fortalecimento da consciência individual e do discernimento ético. Apenas uma psique autônoma pode resistir à sedução das massas e reconhecer o poder destrutivo dos arquétipos sombrios. Reich, por sua vez, acreditava que a verdadeira liberdade exigia transformar as estruturas sociais e familiares que reproduzem medo e repressão. Ambos sabiam que a luta contra o autoritarismo começa dentro de cada pessoa. Toda vez que o indivíduo renuncia à sua responsabilidade moral e entrega a própria autonomia em troca de segurança, abre-se espaço para o retorno dos deuses sombrios da história.

O fascismo, enfim, é menos um regime político que uma febre da alma. Quando o medo domina e a razão cede, o contágio se espalha. Reconhecer suas raízes psíquicas é compreender que nenhuma sociedade – por mais democrática que se julgue – está imune à recaída.

Como alertou Jung, “as epidemias psíquicas são infinitamente mais perigosas que as físicas, pois matam não corpos, mas culturas inteiras”.

* Luís Pellegrini é jornalista e editor da revista Oásis

Foto reproduzida da Internet

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