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por André Gattaz, no Brasil 247
Com a divulgação do chamado “tarifaço” de 50% sobre produtos brasileiros, o presidente Donald Trump “jogou para a plateia”, produzindo manchetes a serem utilizadas pelos adeptos do movimento MAGA e pelo que restou do bolsonarismo. Ao mesmo tempo, por motivos que apresentarei adiante, procurou não prejudicar a economia do próprio país, ao deixar de fora da taxação os principais produtos exportados pelo Brasil aos EUA — de fato, entre os itens com maiores valores de exportação, apenas o café e a carne ficaram de fora.
O discurso para a plateia de convertidos surge no título (“Enfrentando as Ameaças aos Estados Unidos pelo Governo do Brasil”) e desenvolve-se no preâmbulo da Ordem Executiva, atestando o motivo político da punição ao Brasil com as taxas de 50% exibidas nas manchetes. Reproduzo adiante alguns trechos da proclamação, que seria risível caso não fosse a mais pura expressão da Internacional Fascista em ação. A íntegra pode ser lida aqui.
O parágrafo introdutório apresenta a premissa de que o Brasil está em colapso, e isso afeta os Estados Unidos: “Políticas, práticas e ações recentes do Governo do Brasil ameaçam a segurança nacional, a política externa e a economia dos Estados Unidos. […] Membros do Governo do Brasil também estão perseguindo politicamente um ex-presidente do Brasil, o que está contribuindo para o colapso deliberado do Estado de Direito no Brasil, para a intimidação politicamente motivada naquele país e para abusos de direitos humanos”.
A ladainha deriva então para as ações das autoridades brasileiras contra o discurso de ódio e as fake news nas redes sociais: “De fato, certas autoridades brasileiras emitiram ordens para obrigar plataformas online dos Estados Unidos a censurar contas ou conteúdo de cidadãos dos Estados Unidos, quando tais contas ou conteúdo forem protegidos pela Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos nos Estados Unidos”. Esqueceram de avisá-lo que a Primeira Emenda, assim como toda a Constituição dos Estados Unidos, só vale naquele país. Aqui vigora outro documento, denominado “Constituição da República Federativa do Brasil”, que, por sua vez, não vale lá.
Além de atacar diretamente Alexandre de Moraes pela “perseguição” às “Big techs” (o que foi complementado pelas sanções aplicadas ao magistrado), a Ordem Executiva abre espaço para defender o inelegível ex-presidente brasileiro: “O Governo do Brasil acusou Bolsonaro injustamente de múltiplos crimes relacionados ao segundo turno de sua eleição em 2022, e o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu equivocadamente que Bolsonaro deve ser julgado por essas acusações criminais injustificadas. […] O tratamento dado pelo Governo do Brasil ao ex-presidente Bolsonaro também contribui para o colapso deliberado do Estado de Direito no Brasil […]”.
Os dois parágrafos seguintes merecem ser citados na íntegra, pois realmente parecem ter sido escritos pelo próprio Trump e não por sua equipe, como evidencia o léxico limitado e o uso de maiúsculas: “AGORA, PORTANTO, eu, DONALD J. TRUMP, Presidente dos Estados Unidos da América, concluo que o escopo e a gravidade das políticas, práticas e ações recentes do Governo do Brasil constituem uma ameaça incomum e extraordinária, que tem sua origem total ou substancialmente fora dos Estados Unidos, à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos e, por meio desta, declaro emergência nacional com relação a essa ameaça”.
“Para lidar com a emergência nacional declarada nesta ordem, determino que é necessário e apropriado impor uma alíquota adicional ad valorem de 40% sobre certos produtos do Brasil, conforme detalhado abaixo. A meu ver, esta medida é necessária e apropriada para lidar com a emergência nacional declarada nesta ordem. Estou tomando a medida nesta ordem apenas com o propósito de lidar com a emergência nacional declarada nesta ordem e não para qualquer outro propósito”.
Passado o discurso para os convertidos, entram as letras pequenas do contrato — o “conforme detalhado abaixo” —, em que Trump (digo, seus assessores mais racionais) procurou não prejudicar a economia do país com inflação e comprometimento de cadeias produtivas. Segue-se então um anexo com 694 itens que estarão isentos, incluindo os principais produtos da pauta exportadora brasileira, tais como petróleo e derivados, minérios e produtos semiacabados de aço e ferro, máquinas agrícolas e industriais, aeronaves, celulose e suco de laranja. Dentre os dez produtos mais exportados aos EUA (em valores), apenas café e carnes não foram incluídos nas isenções, portanto poderão ser taxados a 50% — se não se perceber, até a semana que vem, o provável esquecimento. Afinal, o café do Brasil representa cerca de um terço do café consumido nos Estados Unidos, enquanto a carne brasileira representa mais de um quarto de toda a carne importada pelo país. Ambos são produtos de difícil substituição, uma vez que os demais países produtores de café não têm oferta suficiente, enquanto a carne brasileira não encontra competidores na relação custo-benefício. A ironia é que os estados brasileiros a serem mais prejudicados, caso mantenham-se realmente essas duas “exceções das exceções”, são justamente os que mais votaram pelo patriarca dos Bolsonaros, cujo filho 03 encontra-se no exterior lutando para prejudicar o país e o seu agronegócio.
Outro aspecto que fica evidente ao se analisar os anexos da Ordem Executiva é que este documento, com sua longa lista de exceções, vem sendo trabalhado há dias, senão semanas, certamente com a participação dos representantes do governo brasileiro — sim, do governo brasileiro, e não de um governante estadual ou de um deputado foragido. Se não fossem essas negociações, conduzidas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e pelos demais estratos do Itamaraty, do MDIC e do Ministério da Fazenda, com a participação importante de empresas estadunidenses que seriam prejudicadas com as tarifas — e diante da ignorância de Trump sobre como estas funcionam —, a Ordem Executiva poderia ter ficado bem pior, de maneira a agradar à Internacional Fascista. No fim, deu-se o TACO: “Trump Always Chickens Out” (“Trump sempre arrega”, na melhor tradução). E livrou-se o Brasil de graves dificuldades econômicas, com reflexos no emprego e na renda nacional.
*André Gattaz é jornalista, historiador e editor. Doutor em História Social pela USP. É autor de “A Guerra da Palestina” (Usina do Livro, 2003) e editor da Editora Pontocom
Foto reproduzida da Internet
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