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O blogdobarbosa entrevistou o médico e professor universitário Ion Andrade sobre a pandemia do coronavírus no Brasil e no Mundo no momento em que a OMS (Organização Mundial de Saúde) coloca a América do Sul como novo epicentro e que o Brasil é o país mais afetado.
Ion Andrade chama a atenção à falta de cuidados principalmente com idosos no isolamento social e diz que o Brasil é um dos poucos países do Mundo que não tem um plano nacional de enfrentamento para a Covid-19. De acordo com o médico,, “isso faz com que uma série de iniciativas que deveriam ser de âmbito nacional acabem não ocorrendo”. Segue a entrevista na íntegra:
1-blogdobarbosa – Dr Ion, a curva do coronavírus continua ascendente no Brasil. No entendimento do Sr a que se deve isso?
Ion Andrade – O Brasil é um dos poucos países do Mundo que não tem um plano nacional de enfrentamento para a Covid-19. Isso faz com que uma série de iniciativas que deveriam ser de âmbito nacional acabem não ocorrendo. Além disso vivemos numa Federação muito centralizada em torno do governo federal. Portanto, as iniciativas que o governo federal não toma, elas não tem outro órgão para substituí-lo. Na medida em que o gestor federal está fragilizado em sua capacidade de governança, estas coisas acabam acontecendo. Nós estamos aí com uma atenção primária que tem milhares de agentes de saúde, mas não conseguem realizar o seu trabalho porque não há uma orientação clara do papel dos agentes de saúde. A maior parte da população não entrou em contato ainda com o vírus. Uma pesquisa recente em São Paulo mostrou que 95% da população era positiva para o covírus. O que é que significa isso? Significa que esses 95% continuam susceptíveis a infecção. Isso é um quantitativo populacional muito grande do ponto de vista da capacidade da infecção ainda se alastrar. Portanto, o Brasil está se tornando o país central dessa doença e o fato de que a curva ascendente não cede não é por falta de inciativa dos governadores. Independentemente das diferenças políticas entre eles, a maioria dos governadores têm tomado medidas razoavelmente responsáveis. A responsabilidade pelo fato da curva da pandemia não ceder pode ser atribuída a irresponsabilidade do governo federal sobre todos os aspectos.
2-blogdobarbosa – Qual o motivo de parte da população não tá cumprindo o isolamento social?
Ion Andrade – O descrédito que o governo federal tem lançado a própria ideia da gravidade da doença estimulando as pessoas a irem pra rua, o próprio presidente da República dando mal exemplo e deixando de cumprir coisas que o Ministério da Saúde recomenda, desmobiliza a população no sentido de dar bom cumprimento as recomendações. Então é uma tragédia, a gente tá tentando construir uma defesa e uma resistência a uma doença grave como essa em que se precisa o consenso de todos e o governo federal é o grande sabotador.
3-blogdobarbosa – O Sr é uma das poucas pessoas que defende um olhar diferenciado para os idosos no sentido de uma maior proteção contra a Covid-19. Boletins Epidemiológicos da Saúde relatam que mais de 80% das pessoas acometidas pelo coronavírus, incluindo os que foram a óbitos, têm ou tinham comorbidades ou fatores de risco. Isso está ligado diretamente aos idosos?
Ion Andrade – O que os números mostram é que sem isolamento os idosos podem representar cerca de 80% dos óbitos, portanto são os que mais morrem. E os idosos no Brasil representam apenas 12% da nossa população. Então se torna extremamente vantajoso pra saúde pública a proteção aos idosos porque cada ponto percentual da população idosa protegida é capaz de reduzir a mortalidade de 6 a 7%. Isso é algo importantíssimo que as pessoas entendam; outra coisa é que o idoso ele tem uma menor mobilidade que as pessoas mais jovens, portanto ele sai menos de casa. O idoso pega a covid, em sua imensa maioria em casa, e quem transmite para o idoso é o familiar mais jovem, muitas vezes aquele que é responsável por fazer as compras e pagamentos quando sai de casa e que por mais cuidado que tome pode voltar pra casa tendo contraído a doença. O jovem pode transmitir a covid ao idoso que tem uma chance muito maior de desenvolver uma doença grave ou de vir a falecer. Portanto, o idoso tem que ser protegido em casa, porque o isolamento social, embora muito importante pra prevenir o contágio, ele não é 100% seguro porque alguém tem sempre que sair de casa e essa pessoa pode ser o vetor da transmissão para o idoso. O que a gente tem recomendado com base numa cartilha que construímos com outros técnicos, é um ideário de propostas para que as pessoas tomem cuidados em casa para que o idoso não adoeça, como por exemplo que o utensílio do idoso seja só dele, distanciamento social do idoso à mesa ou que o idoso possa se alimentar num horário só dele, e se a casa tiver mais um cômodo em casa que o idoso possa passar a maior parte nesse cômodo, que o idoso não seja responsável pelo cuidar dos netos ou mais jovens porque podem não adoecer, mas podem transmitir, que se cuide da saúde mental do idoso fazendo com que essa etapa de maiores rigores possa ser vivida de maneira mais confortável, que possa ver ou fazer coisas do interesse dele, que se leve o idoso para o banho de sol respeitando o isolamento social. Então toda essa preocupação com o idoso é importante. E ao mesmo tempo a atenção primária deve fazer as visitas domiciliares para evitar que o idoso tenha que se deslocar até a unidade de saúde. Ao mesmo tempo as unidades de saúde devem ter um horário específico para atender aos idosos, de forma que essa rotina é importante. Com essas medidas se reduziria e número de óbitos salvando muitas vidas.
4-blogdobarbosa – O Comitè Científico contra o Coronavírus criado por governadores do Nordeste, defende o lockdown, inclusive, para as cidades de Natal e Mossoró, no Rio Grande do Norte. O Sr também defende essa proposta?
Ion Andrade – O Comitê Científico Nordeste se posicionou a favor do Lockdown aqui no Rio Grande do Norte para Natal e Mossoró, e o Comitê Científico do RN, ligado à Secretaria de Saúde do Estado, está estudando essa proposta, mas quem fala pelo Comitê são os gestores. De qualquer maneira o Comitê para fundamentar o Decreto da governadora, apontou para a necessidade de um endurecimento nas exigências do cumprimento do Decreto. Mas a questão específica do lockdown, que pode ter vários níveis, uma palavra até imprópria porque acaba criando uma expectativa que não é muito clara, coloca como sendo o endurecimento do isolamento social uma preocupação que o Comitê externou no documento de recomendações.
5-blogdobarbosa – A revista científica The Lancet divulgou estudo em que relata que o uso da hidroxicloroquina usada em pacientes com coronavírus aumenta o risco de complicações cardíacas podendo até matar o paciente e não ataca a Covid-19. O que o Sr tem a dizer sobre isso?
Ion Andrade – Todos os estudos apontam para a ineficiência da cloroquina, mas isso parece não demover as pessoas da convicção de que devam prescrever. Estamos vivendo num país doente, em que mesmo as categorias que deveriam zelar pela saúde das pessoas, elas se pautam não muito mais pela ciência, que é um compromisso explícito da medicina, mas por uma lealdade cega e sem nenhuma fundamentação científica pra recomendações terapêuticas que podem, inclusive, tornar tudo ainda mais difícil de ser compreendido porque pode provocar a morte das pessoas. Acho que a história vai se debruçar com perplexidade com relação ao momento que estamos atravessando. Esses colegas que aprovam recomendações que não tem fundamento científico sabem muito bem quais são os princípios científicos que devem ser respeitados. Eles conhecem toda a metodologia científica, alguns têm pós-graduações. Mas isso não é suficiente, então eu diria que nós vivemos um estranho momento da nossa história.
6-blogdobarbosa – Dr Ion Andrade, no entendimento do Sr o distanciamento social vem dando o resultado esperado no combate ao coronavírus enquanto não se descobre uma vacina?
Ion Andrade – O isolamento social é a melhor ferramenta, mas não é 100% efetivo porque as pessoas não podem ficar enclausuradas em casa. As pessoas precisam sair as ruas, portanto a contaminação continua acontecendo. A grande vantagem do isolamento social é que reduz a velocidade do contágio, mas ele não zera o contato. Então ele continua vazando uma certa quantidade de contágio. A outra coisa que é importante saber é que há a possibilidade sobre o isolamento social de um contágio em casa e é por isso que a gente tem recomendado a proteção do idoso no domicílio. Isso funciona como se fosse um ferrolho. Acho que a saúde pública deveria pensar numa agenda mais abrangente do isolamento social apontando para outras iniciativas de protagonismo de isolamento social, como por exemplo as redes de vizinhanças para ajudar idosos que vivem sós, ou seja, os vizinhos se responsabilizariam para fazer compras do idoso para que ele não tivesse que sair de casa. Isso seria uma medida complementar ao isolamento social. Outra medida seria que os agentes comunitários de saúde visitassem a totalidade das casas para informar como a família pode proteger o idoso
7-blogdobarbosa – E a escolha de Sofia, como alguns já defendem, ou seja, entre um idoso e um jovem com direito a respirador, melhor optar pelo jovem. Isso é correto?
Ion Andrade –Isso que está sendo colocado como problema da covid na verdade já é um cotidiano de muitos hospitais de ter que fazer escolha, porque às vezes você tem mais pacientes precisando de UTI do que vagas na UTI. Isso torna o trabalho dos intensivistas, dos médicos que estão no front da triagem, da auditoria, um trabalho que é particularmente doloroso de decisão. De forma que eu considero do ponto humanista que todos têm direito e não é a idade que deve ser o único definidor né, mas quero dizer que as opções que os médicos no front da assistência têm que tomar são muito difíceis, mas no entanto as decisões precisam ser tomadas para que a assistência possa seguir o seu rumo. Acho que essa pandemia coloca pra nós a necessidade de se pensar no futuro como alguns países da Ásia fizeram, ou seja, ter estruturas hospitalares pra além daquelas que são utilizadas no dia a dia justamente para ampliar para situações de emergência como esta e que a gente possa ter um pouco de planejamento no futuro pra diminuir essa necessidade de fazer opões que são difíceis.
8-blogdobarbosa – E a questão da saúde tá entrando em colapso no Brasil, isso se deve a que?
Ion Andrade – O colapso do sistema de saúde se deve ao crescimento exponencial da pandemia, não é específico do Brasil. Aconteceu na Itália e em muito outros lugares. Portugal foi o único país disciplinado com respeito as recomendações, o que não está acontecendo aqui. Basta sair as ruas que a gente ver que tem muita coisa aberta, porque as pessoas têm uma falsa sensação de segurança que vem sendo dada pelo presidente, que é a ideia da “gripezinha” e isso faz com que hoje o Brasil tenha mais de mil mortes por dia, sendo o grande campeão da covid neste momento. Então, o colapso na saúde é específico do crescimento exponencial e não tem poupado, sequer, países avançados. Para que ele não ocorra é preciso que haja uma disciplina muito forte por parte das comunidades, o que não está acontecendo aqui. Portanto, o cenário não é otimista.
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