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Artigo

A arte coletadora de Ilanna Thalma

por Stella Galvão

Pedacinhos de azulejos de cores e traçados os mais diversos, chaves de vários tamanhos, formatos e condições de existência, pedaços de ferramentas, conchas, um tramo de vegetação marinha fossilizado, pedaços descartados de redes de pesca, fotos de pessoas que fazem parte de sua história, extratos de madeira, cerâmica, pedras. Objetos miúdos descartados e esquecidos por qualquer pessoa nos descaminhos da vida, eles são resgatados pelo olhar perscrutador e por uma modalidade de colecionismo vital marcantes na obra da artista potiguar Ilanna Thalma. Ela os resgata e ressignifica, fazendo de sua arte um registro meticuloso da existência humana nos espaços onde exercita essa modalidade própria de arqueologia do real ao imaginário.

Essa técnica tem nome – assemblage. O termo foi incorporado às artes em 1953, cunhado pelo francês Jean Dubuffet para trabalhos que vão além das colagens. O princípio que orienta a feitura de assemblages é exatamente a “estética da acumulação”: todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte. Ilanna dá uma pista para uma interface coletiva do seu trabalho. Ela faz permuta com os carroceiros, heróis anônimos da coleta de materiais reaproveitáveis. “Ninguém sabe a magia carregada por eles”.

É essa permuta viva e paradoxalmente inerte – por se tratar de objetos duráveis – que nutre o trabalho de Ilana, seridoense de Ipueira, articulada desde que ensaiou seus primeiros passos na seara criativa, com o pensamento de outro artista francês, Marcel Duchamp, o criador dos chamados ready mades, nada mais que objetos de uso cotidiano expostos como obra de arte. O primeiro deles, de 1912, é uma roda de bicicleta montada sobre um banquinho, à qual se seguiu o urinol, a pá, o porta-panelas etc.

De onde vêm as peças trabalhadas por Ilana? “Amigos vão doando peças usadas, quebradas, que se juntam às que vou achando pelas ruas, algumas delas prontas, como ready mades, como um reboco de obra que virou um altar”. Ou uma pá pequena de ferro que atraiu toda sorte de quinquilharias incorporadas à sua superfície. Ela tem coleções em sua casa-ateliê – de botões, de cerâmicas, chaves e até aranhas, que têm um cantinho para fiar à vontade. Ela tem predileção pela arte de tecer – não há toa também borda símbolos antigos resgatados da memória e de suas pesquisas.  

Uma mostra potente dessa jornada criativa pode ser vista na exposição de ‘De repente, serpente’, que ocupa três salas da Pinacoteca do Estado, na Cidade Alta. Ali estão obras que contam uma parte importante da trajetória de Ilanna, entre os anos de 2005 até agora. Nos primórdios de sua atividade artística, tive oportunidade de ser sua professora em uma disciplina que falava de arte, no curso de Design Gráfico da UnP. Uma década e meia depois, foi muito emocionante perceber o impacto de suas obras, que se reportam frequentemente às suas raízes ancestrais seridoenses. Seridoense como ela, entre os muitos tesouros dessa magnifica exposição, tocou-me especialmente o grande painel “Relicário do Seridó, uma árvore genealógica cigana”.

A grande teia criativa dessa artista imensa bebe no simbolismo do tarô, na dimensão  psicanalítica de Carl Jung, no universo alquímico da Antiguidade. Sabemos disso ao contemplar os livros de cabeceira de Ilanna Thalma, presentes na exposição, entre os quais se inclui o significativo – para seu método de esquadrinhamento do espaço urbano – “Walkscapes : o caminhar como prática estética”, do italiano Francesco Careri. De repente, serpenteando por aí.

*Stella Galvão é jornalista, cronista e colaboradora do blog

Foto: Divulgação

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