Artigo

A opção nuclear financeira vai pôr fim à guerra por petróleo de Trump

por Pepe Escobar – Especial para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres

Os fatos-bomba foram anunciados pelo primeiro-ministro interino do Iraque Adil Abdul-Mahdi, durante uma histórica sessão parlamentar extraordinária em Bagdá, no domingo.

O major-general Qasem Soleimani voou para Bagdá em um vôo de carreira normal portando um passaporte diplomático. Ele havia sido enviado por Teerã para entregar, pessoalmente, uma resposta a uma  mensagem de Riad sobre a desescalada em todo o Oriente Médio. Essas negociações haviam sido solicitadas pelo governo Trump.

Bagdá, portanto, estava oficialmente mediando entre Teerã e Riad, a pedido de Trump. E Soleimani era um mensageiro. Estava programado que Adil Abdul-Mahdi encontrasse Soleimani às oito e meia da manhã, hora de Bagdá, na última sexta-feira. Mas algumas horas antes da hora marcada, Soleimani morreu como alvo de um assassinato no aeroporto de Bagdá. 

Deixem que isso seja bem assimilado e incluído nos anais da diplomacia do século XXI. Mais uma vez: não importa se o assassinato foi ordenado pelo Presidente Trump, pelo Deep State dos Estados Unidos ou pelos suspeitos de costume – nem quando. Afinal, há muito tempo o Pentágono tinha Soleimani em mira, mas sempre se recusou a partir para o ataque final por temer as consequências devastadoras.

Mas permanece o fato de que os Estados Unidos, em solo estrangeiro, como país convidado, assassinaram um enviado diplomático em uma missão oficial que havia sido solicitada pelo próprio governo dos EUA. 

Bagdá irá denunciar formalmente essa atitude às Nações Unidas. No entanto, seria perda de tempo esperar que a ONU venha a expressar indignação pelo assassinato de um enviado diplomático. O direito internacional já estava morto mesmo antes do Choque e Pavor de 2003. 

O exército Mahdi está de volta

Nessas circunstâncias, não é de admirar que o Parlamento Iraniano tenha aprovado uma resolução pedindo ao governo iraquiano que expulse as tropas estrangeiras por meio do cancelamento do pedido de assistência militar dos Estados Unidos. 

Tradução: Yankee go home.

Como é previsível, o Yankee vai negar o pedido. Trump: “Se eles nos pedirem para sair, e se nós não resolverms sair de maneira muito amigável, nós iremos usar sanções como eles nunca viram antes, em tempo algum. Que vão fazer as sanções iranianas parecerem bastante mansas”. 

As tropas americanas já decidiram permanecer na Síria ilegalmente – “para tomar conta do petróleo”. O Iraque, com suas extraordinárias reservas energéticas, é um caso ainda mais sério. Sair do Iraque significa que Trump, os neoconservadores norte-americanos e o Deep State perderão o controle direto e indireto sobre o petróleo, desta vez para sempre.

Além dos curdos – comprados e devidamente pagos – os iraquianos de todos os espectros políticos  estão antenados na opinião pública: essa ocupação chegou ao fim. Isso inclui Muqtada al-Sadr, que reativou o Exército Mahdi e quer a Embaixada Americana fechada para sempre. 

Como assisti ao vivo naquela época, o Exército Mahdi foi a nêmeses do Pentágono, principalmente por volta de 2003-2004. A única razão de o Exército Mahdi ter sido pacificado foi porque Washington ofereceu a Sadr a cabeça de Saddam Hussein, o homem que havia matado seu pai, para execução sumária sem julgamento. Apesar de todas as suas inconsistências políticas, Sadr tem enorme popularidade no Iraque. 

A operação psicológica de Soleimani 

O secretário-geral do Hezbollah, Sayyed Nasrallah, em um discurso muito detalhado, toca no ponto central da razão de Soleimani ter sido assassinado.

Nasrallah nos conta que os Estados Unidos identificaram o papel estratégico desempenhado por Soleimani em todos os campos de batalha – Gaza, Líbano, Síria Iraque, Yêmen, Afeganistão, Irã. Ele mostra que Israel via Soleimani como uma “ameaça existencial”, mas “não ousava matá-lo. Eles poderiam tê-lo assassinado na Síria, onde seus movimentos eram públicos”. 

Portanto, a decisão de assassinar Soleimani em público, na opinião de Nasrallah, foi uma operação psicológica. E a “retribuição justa” é “o fim da presença militar norte-americana em nossa região”. Todo o pessoal militar dos Estados Unidos agora ficará em alerta permanente, atento e vigilante em tempo integral. Isso não tem nada a ver com cidadãos americanos: “Não estou falando de persegui-los, e persegui-los nos é proibido”. 

De um só golpe, o assassinato de Soleimani conseguiu unir não apenas os iraquianos mas também os iranianos, e de fato todo o Eixo da Resistência. Em uma infinidade de níveis, Soleimani poderia ser descrito como um Che Guevara persa do século XXI: os americanos providenciaram para que ele se metastizasse no Che da Resistência Muçulmana.

Guerra por petróleo

Nenhum tsunami de relações públicas na medíocre imprensa convencional dos Estados Unidos será capaz de esconder o colossal erro estratégico – para não falar de mais um assassinato ostensivamente ilegal. 

Mas é bem possível que esse erro tenha sido proposital. A morte de Soleimani prova que Trump, o Deep State e os suspeitos de sempre concordam nos pontos essenciais: não pode haver entente cordiale entre a Arábia Saudita e o Irã. Dividir para conquistar continua sendo a norma.

Michael Hudson esclarece o que vem a ser uma prolongada guerra “democrática” pelo petróleo: “O assassinato teve como intenção escalar a presença nos Estados Unidos no Iraque e manter sob controle as reservas da região, e também dar apoio às tropas Wahhabi da Arábia Saudita (Isis, Al Qaeda no Iraque, Al Nusra e outras divisões daquilo que na verdade é a legião estrangeira dos Estados Unidos) para usar o petróleo do Oriente Próximo como forma de escorar o dólar norte-americano. Essa continua sendo a chave para a compreensão dessa política, e da razão pela qual ela vem escalando, e não chegando ao fim”. 

Nem Trump nem o Deep State poderiam ter deixando de perceber que Soleimani era o principal trunfo estratégico para que o Iraque viesse, futuramente, a assegurar o controle sobre sua riqueza petrolífera e, ao mesmo tempo, ir derrotando aos poucos a galáxia  wahhabi/salafista/jihadi. Por isso ele tinha que ser eliminado. 

“A opção nuclear” 

Mesmo com todo o barulho em torno do compromisso iraquiano de expulsar as tropas dos Estados Unidos e da promessa iraniana de reagir ao assassinato de Soleimani no momento que melhor lhe convier, não há como fazer com que os senhores  imperiais levem as coisas a sério sem um ataque financeiro. 

Entra em cena o mercado mundial de derivativos que, como sabem todos os atores importantes, é uma Arma de Destruição Maciça. 

Os derivativos são usados para drenar um trilhão de dólares ao ano, desviando-os do mercado para os lucros manipulados. Esses lucros, é claro, estão protegidos nos termos da doutrina “grandes demais para serem processados”.

É óbvio que se trata de um parasitismo altamente ilegal. A boa notícia é que eles podem ser transformados em uma opção nuclear contra os senhores do império.

Venho escrevendo amplamente sobre essa questão. Minhas ligações nova-iorquinas me contaram que todas essas colunas foram parar na mesa de Trump. É claro que ele não lê coisa nenhuma – mas a mensagem foi transmitida, e entregue pessoalmente.

Nesta última sexta-feira, dois fundos tradicionais de médio porte americanos foram para o vinagre porque estavam alavancando com derivativos ligados ao preço do petróleo.

Se Teerã algum dia decidir fechar o Estreito de Ormuz – chamemos essa de a opção nuclear – seria desencadeada uma depressão mundial com a implosão de trilhões de dólares de derivativos. 

O Banco de Compensações Internacionais (BIS – Bank for International Settlements) calcula que haja cerca de 600 bilhões de dólares em derivativos. Não é bem assim. Fontes suíças dizem que há por volta de 1,2 quadrilhões, e há quem diga que esse total chega a 2,5 quadrilhões. Isso implicaria um mercado de derivativos 28 vezes maior que o PIB mundial.

Quanto a Ormuz, uma redução de 22 por cento no fornecimento mundial de petróleo simplesmente não poderia ocultada. Isso detonaria um colapso e provocaria uma quebradeira no mercado infinitamente pior que a de 1933 na Alemanha de Weimar.

O Pentágono projetou todos os cenários possíveis para uma guerra contra  o Irã – e os resultados são sinistros. Generais sensatos – sim, há alguns – sabem que a Marinha dos Estados Unidos não conseguiria manter aberto o Estreito de Ormuz: ela teria que bater em retirada imediata ou, como um alvo ridiculamente fácil, enfrentar a aniquilação total. 

De modo que a ameaça de Trump de destruir 52 alvos iranianos – incluindo patrimônio cultural de valor inestimável – não passa de um blefe. E o que é pior, é coisa de bárbaro bravateiro, digna de um terrorista do  ISIS. O Talibã destruiu os Budas de Bamiyan. O ISIS quase destruiu Palmira. Trump Bakr al-Mar-a-Lago quer se juntar a eles como o destruidor da cultura persa.

*Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

Foto reproduzida da Internet

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