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Baú de Estrela

A ressaca da friday

por Stella Galvão

Adryelle acordou com a cabeça aumentada de tamanho. Tremendo pesadelo. Sonhou que era um monstro insaciável com um apetite fora do comum. Engolia toda sorte de coisas digeríveis pelo comum dos mortais, carnes, pães de metro, bolo em banda de lata, batata doce, batatinha, um sem fim de baganas.  Passada a etapa alimentar convencional, era um Godzilla saindo das entranhas da terra e consumindo o que encontrava pela frente: cadeiras, colchão, cama artefatos de cozinha, cabides, pufs etc. Não havia limites para aquele apetite monstruoso que durou das 7h às 22h daquela sexta-feira black.

A cidade estremeceu e parou. Adryelle acordou do pesadelo quando a criatura, no caminho de volta ao habitat, passou a engolir carros e motoristas. Tomou um bom gole de água gelada, um analgésico qualquer da pilha que repousava na mesinha de cabeceira e, súbito, deu-se conta. No dia anterior, frenético, quente, exasperador, ela e mais uma ruma de gente tinham se transformado em versões humanas de Godzilla, avançando com frêmito e apetite descomunal em direção à etiqueta negra: “black friday”.

Conseguiu licença do trabalho um dia antes para começar a vigília logo cedo, antes mesmo da abertura das lojas de rua. Começou pelas de eletrodomésticos, apinhadas de pessoas com garrafas de café e quentinhas de cuscuz com ovo, tapioca, eventualmente um croissant. Confraternizaram a princípio, trocando acepipes pra variar o menu do desjejum. A harmonia durou até a hora da abertura das lojas, quando hordas humanas avançaram por corredores a agarrar objetos do desejo que portavam a tal etiqueta. Dependendo do bolso, avançavam no ventilador ou ar condicionado, fast grill ou air fryer, fogão convencional ou cooktop, panelas comuns ou panelona elétrica com xy de potência.

Adryelle assistiu e protagonizou alguns embates pelas últimas peças em vários locais. Isso quando podia se deslocar a shoppings diversos, com o trânsito atravancado por centenas de outros afetados pelo afã de gastar. Supostamente gastaram pouco em troca dos prazeres gozosos, grande sacada do black marketing: ativar continuamente o  sistema de recompensa do cérebro, circuito que processa a informação relacionada à sensação de prazer ou de satisfação. “Compre, se locuplete, goze atendendo seus desejos mais recônditos de aquisição. Agora você pode”. 

E, afinal, havia a cumplicidade silenciosa dos cartões de crédito e do cheque especial torcendo por faturas espetacularmente gordas e volumosas, razão de dor de cabeça e aflição para gente como Adryelle e de júbilo para as financeiras. A roda da fortuna de uns e prejuízo de outros tantos seguiria rodando. Ano que vem tem mais!

Imagem ilustrativa

*Stella Galvão é jornalista, cronista e colaboradora do blogdobarbosa

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