Artigo

De Luzia a Temer

por Angela Lobo Costa

Por mais de 12 mil anos, Luzia, o mais antigo fóssil humano já encontrado no país, foi protegida pela natureza em uma gruta no interior de Minas Gerais. Nos últimos quarenta e três anos, descansava em leito de vidro no Museu Nacional, um dos maiores museus de história natural e de antropologia das Américas.
Esta mulher, que morreu aos 20 anos de idade, tinha olhos grandes e rosto largo – provavelmente era negra – e vivia isolada em uma caverna, foi capaz de lançar luz sobre a origem dos povos antigos em solo americano, mudando as principais teorias sobre o povoamento das Américas.

Luzia instigou a ciência a atingir descobertas impressionantes, ancoradas em incansáveis pesquisas para decifrar o passado. Sua presença abriu horizontes para que se compreenda o curso do processo de evolução da humanidade e de formação dos povos americanos. A mais antiga brasileira iluminou o debate científico mundial, conferindo relevância aos pesquisadores da UFRJ, a despeito das dificuldades de se fazer pesquisa no Brasil e de serem as instituições federais de ensino superior, por meio de fomento da CAPES e do CNPq, as principais responsáveis pela produção científica nacional.

Ao se tornar um luminar personagem da nossa história pregressa, Luzia também clareia o nosso futuro: reconhecer o tortuoso caminho que traçamos para chegar ao ponto que estamos, permite sistematizar a evolução do processo civilizatório que nossa sociedade assumiu e elucidar com clareza as escolhas que precisam ser feitas para que não haja retrocessos no curso do futuro.

Neste domingo, Luzia sucumbiu às trevas.

Mais uma vez, o Brasil revela ao mundo a face mesquinha do neoliberalismo capitaneado pelo maquiavélico Temer, depois de rasgar nossa Constituição Federal, humilhar nossos trabalhadores ao nível de escravos, usurpar nossas riquezas naturais, achincalhar a ciência, pesquisa e inovação tecnológica, barbarizar nossos valores e direitos humanos. Desta vez, agride a história universal.

Temer cumpre com maestria o odioso papel que lhe foi atribuído pelo mercado para subjugar a nação mais promissora do mundo nas soluções para a desigualdade social e a miséria, a fim de manter as classes dominantes em seu casulo ilusório de poder. A elite obscura, que não é capaz de reverenciar sua origem comum, talvez nem lamente a perda de Luzia.

Obviamente, uma tragédia anunciada, determinada por inúmeros fatores cristalizados na gestão das universidades e, enfim, desencadeada pela irresponsabilidade do ajuste fiscal feito pelo sorumbático ministério de Temer, que reduziu o orçamento do Museu de R$ 346 mil em 2017 para R$ 52 mil em 2018, ou seja, quase toda a verba destinada para o funcionamento e manutenção foi cortada.

O sombrio governo Temer, que extinguiu o Ministério da Cultura em seus primeiros dias no poder, aprovou a EC 95 e vendeu o pré-sal, que destinaria 70% dos lucros para a educação, cortou orçamento da C&T, CAPES e CNPq, inviabilizando a pesquisa no Brasil, acendeu a chama que queimou o patrimônio cultural mais importante do nosso país.

O passado virou cinzas e o futuro sem memória é um caminho incerto. Um exato retrato do Brasil de hoje. Ou mudamos este rumo ou estaremos fadados à barbárie.

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