Artigo

Discutimos nas redes sociais sem entender o Brasil

por Mário Lima Jr., no Jonal GGN, de Luiz Nassif

Milhões de pessoas discutem a política e a sociedade brasileira hoje em dia nas redes sociais. Prática positiva se não faltasse à discussão um ingrediente fundamental: conhecimento sobre o Brasil.

Não é fácil compreender a realidade de um país tão complexo quanto o nosso, talvez o de formação cultural mais rica do mundo. Homens e mulheres inteligentes dedicam a vida inteira a este trabalho. E levam décadas para o brasileiro desatento, como eu, descobrir as heranças europeias, indígenas e africanas dentro da própria rotina. Do hábito do banho diário ao costume do cochilo na rede. Do aipim servido no almoço ao excesso de gestos e expressões faciais ao falar. Antes de opinar, entretanto, vale a pena um esforço maior e buscar informação confiável na Internet sobre o assunto. É rápido e fácil.

A ignorância a respeito dos temas em debate, entre eles o melhor candidato à Presidência da República para as eleições no ano que vem, gera a discórdia violenta que frequentemente ultrapassa a tela dos dispositivos. Ingênuos limitam o olhar ao presente e relevam a História, a Sociologia e a Antropologia. Disciplinas antigas, humanas, não pertencentes a nenhum viés político, como julgam.

As piores conclusões afetam o pobre, o negro e o índio. Acusadores chamam o pobre que recebe assistência social de parasita e oportunista. Seus defensores, impacientes, se rendem à agressão verbal. As razões da pobreza nacional ficam esquecidas, enquanto tem gente passando fome. Não é fácil para o faminto conquistar o próprio sustento sem formação profissional e oprimido pela alta criminalidade nas regiões de baixo desenvolvimento social.

Cotas raciais para negros em concursos públicos dividem opiniões em um país onde 6 milhões de negros foram massacrados pela escravidão ao longo de trezentos anos (Darcy Ribeiro, O povo brasileiro), e que ainda é incapaz de oferecer mínima proteção social aos seus cidadãos: um jovem negro morre a cada 23 minutos no Brasil (BBC). Diante de uma realidade tão cruel, a política de cotas não parece indispensável, ainda que insuficiente?

Os povos originários da terra onde vivemos são chamados de vândalos nas redes sociais quando vão à Brasília protestar por direitos. Mais de 4 milhões de índios foram assassinados desde o período colonial, a causa deles é legítima.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil fracassou em proteger as terras indígenas. Não se trata de uma falha do passado. O Governo Temer tenta deliberadamente reduzir direitos do índio, na opinião de Victoria Tauli-Corpuz, Alta Comissária das ONU para os Direitos Indígenas. Desde a ditadura militar a situação não era tão grave.

As discussões vazias amparam as condições políticas para a manutenção do sofrimento popular. Setenta milhões e meio de brasileiros sem acesso à Internet, um terço da população, não podem dizer o que pensam através das redes sociais. A responsabilidade sobre o uso consciente da tecnologia para a construção de um Brasil justo é nossa.

Ilustração reproduzida do Jornal GGN

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