Baú de Estrela

E haja choramingueira de banheiro

por Stella Galvão

O presidente brasileiro que apeará do cargo, ao que tudo indica, apenas no início do longínquo janeiro de 2023, disse a evangélicos, em discurso em 14/outubro/2021, que chora sozinho no banheiro de casa. Que a mulher nunca viu o desabafo lacrimal, que continua achando que ele é machão. Vejamos: na cartilha deste cidadão, o condenável é isso mesmo, um homem que se expressa hiperbolicamente verter lágrimas disfarçadas para não abalar uma autoimagem de macho que não soçobra ao peso das circunstâncias e ainda ocultar a explosão glandular à mulher que supostamente desfrutaria de sua intimidade.

A frase ganhou as manchetes de portais de notícias. Ouvido, o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), preferiu acreditar num conto da carochinha: que a ‘excelsa’ autoridade em questão molhava o piso da suíte presidencial do Palácio da Alvorada para extravasar a autocrítica diante da condução funesta da pandemia de Covid, do descalabro amazônico, da inflação galopante, do empenho em encerrar a produção científica no país e muitos etcéteras danosos mais.

A produção de sua lacrimescência também repercutiu no Twitter, onde leitores atentos foram buscar um post antigo de Eduardo B., deputado federal e filho 03, de fevereiro/2020, que zoava de oponentes políticos apelando para a insustentável associação entre choro e fraqueza. “Nem liga, pai dessa galera toda aí chora no banho…”. Sobrou para Dudu bananinha, como é amplamente conhecido nas redes sociais, engolir o choro com a choradeira do pai. “Dudu, não quer ir ali no banheiro ver se seu pai tá bem?”, provocou Danilo. “O seu pai chora no banho, bicho”, publicou Vinicius.

Resta a Dudu e seus apoiadores o consolo de saber que, depois da queda sofrida pelo pai perto do Natal de 2019, as supostas lágrimas copiosas foram vertidas no conforto de um piso de mármore repaginado, agora cercado de barras de segurança e ao abrigo dos tapetes antiderrapantes. Donde se pode especular que na cartilha deste macho-man, mesmo um singelo choro falseado ou não, a depender da plateia, requer protocolo de segurança.

*Stella Galvão é jornalista e colaboradora do blog, Doutora em Educação pela UFRN e autora de ‘Calos e Afetos’ e ‘Entreatos’.  e-mail: stellag@uol.com.br

Foto ilustração: quadro El llanto (2013), do cubano Eddy Miclin

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