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Empresários, criem vergonha!

Está no Blog do Helio Gurovitz

No dia em que o governo anunciou mais de 600 novas mortes pelo novo coronavírus – isso pelos números oficiais, notoriamente subestimados –, um grupo de líderes empresariais decidiu ir ao Planalto fazer a única coisa que soube fazer direito ao longo da história brasileira: pedir ajuda ao governo para salvar seus negócios.

É como se estivessem caindo dois aviões lotados por dia (e muitos mais cairão nas próximas semanas) – e o presidente enceta com a turma uma marcha ridícula até o Supremo Tribunal Federal para pedir o alívio na principal medida necessária para conter o morticínio. Alia-se, assim, nosso empresariado, ao discurso negacionista que, na prática, equivale a um crime contra a humanidade.

Não se ouviu nenhuma proposta de usar as forças produtivas para ampliar a fabricação de máscaras, testes de diagnóstico, respiradores artificais ou UTIs. Nenhuma para resolver os enormes desafios logísticos necessários na luta contra a Covid-19 nos rincões do país ou nas favelas. Nem de estudar a fundo as condições necessárias para retomada gradual e responsável das atividades. Nada disso. O que importa, aparentemente, é outra coisa.

Outro dia, numa dessas “lives” que se tornaram ubíquas, o fundador de uma corretora de sucesso soltou uma barbaridade: afirmou que o Brasil está bem no combate à Covid-19 e que o vírus já foi contido nas “classes altas”, jargão marxista com que provavelmente define aqueles que têm acesso às UTIs modernas nos hospitais de elite paulistanos. Enquanto isso, milhares morrem em casa sem atendimento nenhum, e as mortes crescem mais de 30% no país com o avanço da pandemia.

O Brasil se torna, até onde a vista alcança, o único país do mundo onde a elite empresarial e financeira está preocupada não com a tragédia, mas em retornar ao mundo da fantasia pré-pandêmica, onde mantêm privilégios garantidos pelas mamatas estatais e desdenham a situação da população que vive em condições precárias, sem nem máscaras para enfrentar o vírus.

Não espanta que um ignorante despreparado como Bolsonaro tenha chegado à Presidência, com apoio velado dessa mesma elite. Não é só ele o ignorante despreparado. O empresário brasileiro – com as exceções de praxe – jamais se destacou pelo investimento no conhecimento, por apostar na tecnologia ou na inovação.

Ao contrário, a história da indústria nacional é basicamente uma história de cópia, sob a proteção garantida do Estado. Crescemos na base da força bruta, não da inteligência. Em termos intelectuais, nossos industriais em nada diferem dos analfabetos funcionais que mal conseguem preencher o nome num formulário para pedir auxílio ao governo. Não sabem o básico de gramática ou aritmética, mas se põem a discutir modelos matemáticos ou curvas epidêmicas.

Vivem entre “lives”, “zooms” e traquitanas do tipo, mas nunca leram um livro. Ignoram o avanço da ciência básica. Não têm a menor ideia de como funcionam os aparelhos digitais de última geração que veneram e fazem questão de carregar no bolso. Ignoram o drama dos intensivistas nas UTIs dos hospitais públicos. Jamais pisaram numa favela ou nas áreas mais ameaçadas pela pandemia.

Natural que desprezem as conclusões derivadas do conhecimento quando não são convenientes, ou que tenham buscado a figura patética e desacorçoada de Bolsonaro em plena crise. No mundo todo, nosso presidente é objeto de crítica e chacota. Aqui, um terço da população ainda o leva a sério, com destaque para os empresários que foram ontem em romaria a Brasília.

O momento, infelizemente, exige aquilo que eles não têm: conhecimento e inteligência – nos casos mais graves, não é apenas um problema de software, que poderia ser resolvido com instrução; a deficiência está no hardware mesmo. Infelizmente, não há outra saída sem conhecimento e inteligência. Só a ciência poderá reduzir os danos do novo coronavírus para o país. Só ela pode nos trazer os elementos necessários para agir de modo responsável num momento tão triste e doloroso.

Continuarão doravante a cair pelo menos dois aviões por dia, lotados de vítimas da Covid-19. Em vez de oferecer claque a um presidente despreparado e sem noção, em vez de fazer eco cínico, frio e desumano e ao “e daí?” macabro que ele soltou outro dia quando questionado, nossa elite empresarial e financeira deveria era se preocupar em salvar as vidas que puder, com os recursos que estiverem a seu alcance. Deveria, antes de mais nada, fazer o que jamais fez durante toda a vida, desde os bancos escolares: criar vergonha na cara e ir estudar.

Foto: Reuters/Adriano Machado

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