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Baú de Estrela

Itamar Vieira Júnior e a evocação necessária

por Stella Galvão

Uma aura de respeito e deferência era perceptível na sala da Pinacoteca do Estado. Espaço  lotado, gente saindo pelo ladrão. No centro do palco, um nome maiúsculo da literatura brasileira contemporânea. O escritor baiano Itamar Vieira Júnior, a celebridade da feira de livros e autores batizada de ‘ocupação literária’, em uma conversa franca e aberta com seus leitores potiguares. Por toda parte, as gentes levavam suas preciosidades nos braços – Torto Arado e Salvar o Fogo, seus dois romances premiados e traduzidos mundo afora. Acompanhavam atentamente a fala daquele que fala por personagens femininas potentes – Bibiana, Belonísia, Luzia, entre tantas –, aguardando o momento de formar fila para colher a grafia do escritor.

Itamar respondia a perguntas do jornalista Octavio Santiago na noite de 27 de abril. Falou de escrever como a capacidade de imaginar, criar e evocar memórias. Citou o encantado de Torto Arado: “Foi cavalgando seu corpo que senti que o passado nunca nos abandona” (2018, p. 261), do papel crucial da ancestralidade em sua veia literária. Lembrou da vivência dele no campo, seja na história familiar ou na sua trajetória como funcionário do INCRA, encarregado de mapear questões ligadas à terra. É dessa vivência que vem construindo histórias impactantes, enredos que trazem histórias de um Brasil colonial e escravagista, de subjugação dos mais vulneráveis. De um embate persistente entre fracos e fortes, estes detentores do poder e do dinheiro, subjugando e explorando os primeiros. É destes que se nutre a garimpagem mais potente do veio literário de Itamar Vieira Júnior. “Olhando para a história deste país, é visível que os que sobrevivem têm muito mais força, não perecem facilmente apesar do tanto que sofrem”. Ele adiantou que este tema permeará seu próximo romance. “Vou escrever sobre os que ficaram, os que permaneceram apesar da opressão, da injustiça, da falta de políticas públicas”. São estes, disse, os que têm algo de forte e valioso para ensinar aos que transitam hoje pelos grotões de sempre.

Itamar voltou a falar sobre um tema que paira, como uma espada de Dâmocles, sobre sua  escritura. É literatura regional, dizem alguns críticos, buscando nela fixar a mesma etiqueta que a crítica literária estabeleceu para a produção, ali pela metade do século XX, de Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego e outros egressos do rincão Nordeste do país. Este carimbo serviu, segundo o escritor, para qualificar aquilo que emergia fora dos centros de poder do país.  Mas o centro pode estar em todo lugar, disse, parafraseando o escritor russo León Tolstói: “Se queres ser universal, cante sua aldeia”. O escritor também celebrou o papel do leitor, coartífice das histórias, intérprete onipresente na recepção do romance. Neste momento, ele percebeu na plateia uma leitora que disse admirar, chamando-a pelo nome. Era a governadora Fátima Bezerra, sentadinha na segunda fila de cadeiras com seu indefectível diadema.

Finalmente abordou a artesania do fazer literário. Além dos conterrâneos regionais, disse beber na fonte do escritor norte-americano William Faulkner, por sua capacidade de dar voz a diferentes personagens, em um jogo narrativo não necessariamente linear. Quanto ao processo de nomeação de seus personagens, citou Blimunda, personagem central de Memorial do Convento, do português José Saramago, que o impactou. Belonísia, uma das personagens centrais de Torto Arado, foi encontrada casualmente em arquivos de trabalho. Outros nomes são buscados entre ancestrais recentes e remotos. Itamar Vieira Júnior ensinou ainda que por vezes o narrador não cabe nas categorias estabelecidas a priori pela crítica literária. Por vezes é mesmo o autor colocando sua voz. Sobre o papel da literatura, comentou sobre a importância de utilizá-la para recuperar, por meio da imaginação e do contexto histórico, registros vitais esquecidos, sem fotos ou documentos: “A literatura pode emular mundos e histórias e restituir aquilo que foi negado ou apagado”.

*Stella Galvão é jornalista, cronista e colaboradora do blogdobarbosa

Foto: Divulgação

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