Baú de Estrela

Jairinho e a voadora

por Stella Galvão

O menino era um caso perdido. Não respeitava a ninguém e a nada, gritava e esperneava à menor contrariedade. As crises de raiva em busca de atenção, para obter algo ou evitar ter que fazer algo acompanhavam o garoto desde a mais tenra idade. As histórias torpes dessa criança crescida eram conhecidas desde que passou uma década atirando pedra na lua em um quartel desses onde garotos brincam de soldadinho e até de capitão. Terminou expulso após descoberto os planos de levar quartéis aos ares para protestar contra os maus soldos. Está tudo lá, na ficha corrida dele. Sordidezes.

O menino birrento conseguiu ser entronado como representante da garotada igualmente agressiva num clube da esquina. Lá, defendia toda sorte de malvadeza, de tortura de gato e cachorro de rua a fingir ajudar velhinhos para empurrá-los com violência. Em casa, era apenas tolerado. Se o frustravam o menino jogava para o alto a toalha de mesa com pratos, copos e galinhada. Era um horror a convivência. Na escola, então. Era ele que infernizava o professor, os colegas tidos como diferentes. Era misógino desde criancinha, odiando meninas ao mesmo tempo em que se arvorava o conquistador.

Agia como a criança apequenada que sempre foi. Esbravejava e xingava a plenos pulmões, e sempre vomitando todo o dicionário de palavrões cabeludos. Ninguém escapava à sua fúria, à exceção dos apaniguados. Para os amiguinhos de sacanagens, tudo, os demais eram os que atirados a seu pau de arara imaginário. Seu sonho era montar um paredão para lançar pedras e projeteis mais potentes contra toda sorte de oponente. Porém, como não há bem que sempre dure nem mal que para sempre perdure, nosso pequeno tirano havia de experimentar um revés à altura de sua truculência.

Aconteceu de Jairinho espezinhar um menino todo sério e vetusto da vizinhança. O garoto era do clube dele mas não lhe agradava o festival de estupidez e obscenidade do colega insano. O confronto era inevitável. O pestilento acusou o outro de uma série de torpezas e foi prontamente rebatido pelo outro. Não contente, exigiu que se retratasse, algo impensável para alguém acostumado a mandar e ser escutado por uma horda de serviçais. Jairinho botou o rabicho entre as pernas, covarde como todo valentão quando é confrontado. Muitos celebraram, torcendo pelo momento final da defenestração do piolhento.

Ilustração do polonês Pawel Kuczynski

*Stella Galvão é jornalista, cronista e colaboradora do blogdobarbosa

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