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Os Seminários Populares da Orla e o Plano Diretor

por Ion de Andrade

A prefeitura de Natal abriu as discussões referentes ao Plano Diretor com uma proposta profundamente ameaçadora para as comunidades tradicionais da Orla de Natal: a verticalização.

Verticalizar significa aumentar o gabarito da região praieira permitindo a
construção de espigões. Para que a dita verticalização ocorra, obviamente,
necessário se faz que os moradores atuais da região sejam removidos, afinal eles vivem onde esses espigões serão construídos.

Para além do privilégio de morar na praia, a região da orla de Natal é muito
próxima do mercado de trabalho, escolas, hospitais e do comércio, fazendo
com que uma remoção de populações de renda intermediária a baixa seja
motivo de redução de uma qualidade de vida difícil de ser reproduzida em
outras regiões da cidade, mesmo mantendo-se renda igual.

A prefeitura argumenta de que a verticalização traria turismo à orla, mas a
verdade é que a situação de abandono da região é que é a razão do
progressivo declínio do turismo. A orla não conta com um policiamento
adequado, com uma infraestrutura mínima de lazer e hospitalidade, com
políticas públicas de fomento ao turismo, há problemas crônicos de
saneamento e as ratazanas compõem a paisagem.

Pode se dizer, sem risco de erro, que se as praias do centro de Natal não
atraem o turismo como poderiam atrair tal se deve ao abandono crônico da orla central da cidade pelo Poder Público ao longo do tempo.

Outro problema atual é a questão do tombamento e do uso do Hotel Reis
Magos, obra que foi também vítima de um sucateamento contínuo de que
tomaram parte tanto os seus atuais proprietários, que são donos do imóvel
desde 1977, como o Poder Público.

As comunidades do entorno do Hotel são as principais vítimas desse
sucateamento que enfeia a paisagem e distancia as praias de seus imensos
potenciais econômicos fazendo com que a vizinhança não se beneficie de um maior desenvolvimento, emprego e renda na região.

Os Seminários Populares organizados pelas entidades comunitárias dos
bairros da orla em abril abordaram então essa problemática de forma sistêmica.

As comunidades discutiram um projeto de futuro para a orla e para as
comunidade sob dois enfoques: (a) a compatibilização do turismo com a qualidade de vida dos moradores e (b) ideias de como aproveitar e utilizar o
Hotel Reis Magos em benefício da Cidade.

Nos três locais onde ocorreu, 1. Redinha, 2. Praia do Meio, Jacó, Rocas,
Brasília Teimosa e Santos Reis e 3. Mãe Luiza, um total de mais de cem
pessoas se reuniu, não somente no dia do próprio seminário, mas também em reuniões preparatórias prévias.

A síntese das discussões foi a seguinte:

Como compatibilizar o turismo com a qualidade de vida dos moradores?
Os presentes apontaram para a ideia de que para que o turismo cresça, a orla precisa ser atrativa em primeiro lugar para os seus próprios moradores e para a cidade como um todo. Se houver presença maciça dos natalenses na sua orla haverá turismo. A ideia central é que a orla seja o espaço privilegiado para as seguintes atividades:

Mãe Luiza

  1. Esportivas de praia: vôlei, surf, futebol de areia, futevôlei, handebol de
    areia, frescobol, etc.;
  2. Culturais: Festivais praieiros de música, de dança, de escultura em
    areia, etc.;
  3. de Lazer e convivência: para famílias, com espaços para crianças, para
    jovens, para idosos, para passear, áreas para o luau e o violão.
    Para que isso aconteça as praias devem ser limpas, saneadas, contar com banheiros públicos com bons padrões de uso, devem ser seguras e contar com boas praças de alimentação. As praias devem também ser bem iluminadas para o uso noturno ampliando o tempo de utilização.
    Redinha
  4. Implementação do Parque do Mangue, com elevado potencial turístico, dialogando com parque no entorno do Forte dos Reis Magos;
  5. Aproveitamento da faixa de sombra projetada pela Ponte Nova para a
    implantação de estrutura desportiva;
  6. Estímulo ao lazer contemplativo com a divulgação do mirante da Ponte Nova e estratégias de facilitação do acesso;
  7. Criação de condomínio por lei para a gestão da área comercial da
    Redinha que se degrada sem que os comerciantes, que se beneficiam,
  8. tomem a iniciativa de fazer a manutenção e a higiene e limpeza, o que prejudica o turismo no bairro como um todo;
  9. Criação de estacionamento para os ônibus de turismo mais próximo à
    praia, pois os mesmos são obrigados a estacionar no Terminal dos
    ônibus de Linha dificultando o acesso dos turistas à Redinha;
  10. Criação de um Fundo Municipal com os recursos gerados com o turismo na Redinha que se reverta para a comunidade em melhorias estruturais;
  11. Colaboração do Poder Público com os moradores para a criação de uma cooperativa de pescadores capaz de contribuir para a melhoria das condições de vida e da renda da tradicional comunidade de pescadores da Redinha.
  12. Regulação pelos órgãos de governo dos itinerários do turista na região
    favorecendo a Redinha;
  13. Revitalização da balsa que fazia a travessia do Potengi, entendida como de elevado potencial turístico;
    Praias
  14. Manutenção das praias limpas;
  15. Extinção da prática de loteamento das barracas pelos barraqueiros da
    praia;
  16. Revitalização da escadaria que liga o topo da Ladeira do Sol à Praia e
    valorização e manejo do Mirante situado na mesma região que tem
    elevado potencial turístico;
  17. Iluminação da Praia à noite para ampliar o uso;
  18. Formação profissional da comunidade para o lazer e o turismo, incluindo a gastronomia e na área da organização comunitária;
  19. Dinamização de atividades desportivas como o Surf.
    No que toca ao Hotel Reis Magos aas comunidades sugeriram:
  20. Centro multicultural abrigando espaços para formação em música, artes plásticas, dança e teatro com áreas para a exposição;
  21. Museu daOrla: a orla tem uma história registrada de quase 500 anos,
    com o Forte dos Reis Magos, em Santos Reis funcionou uma importante base de hidroaviões americanos na Segunda Guerra Munidal. Antes disso porém toda a orla era habitada pelos índios potiguares;
  22. Biblioteca Pública;
  23. Museu da Cidade. Um museu da Cidade poderia ser um forte atrativo
    para o turismo
  24. Escola de Lazer e Hospitalidade
  25. Que volte a ser um Hotel Vale salientar que unanimemente as comunidades rejeitaram por ocasião desses seminários a ideia de verticalizar a orla.

*Ion de Andrade é médico e professor universitário. É colaborador de uma instituição social ligada à igreja católica no bairro Mãe Luiza em Natal

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